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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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SEGURANÇA MÁXIMA

Obras como "Estação Carandiru" não circulam em biblioteca da penitenciária de Presidente Bernardes

Regime disciplinar proíbe livros a detentos

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

A vida é solitária em presídios de segurança máxima do Estado, os CRPs (Centros de Readaptação Penitenciária). Além de visitas monitoradas aos domingos, o único contato com o outro lado dos muros é a literatura.
Assim dita o RDD, Regime Disciplinar Diferenciado, empreendido em presídios como o de Presidente Bernardes (589 km de São Paulo), em que romances como "Lembranças da Meia-Noite" (Sidney Sheldon), "O Alquimista" (Paulo Coelho) e "O Xangô de Baker Street" (Jô Soares) compõem uma biblioteca de 1.100 livros.
No entanto, não é qualquer obra que atravessa a tranca. A escolha passa por um controle exercido pelo diretor do presídio, Antônio Sérgio de Oliveira. "Estação Carandiru" (Drauzio Varella) e "Cidade de Deus" (Paulo Lins) estão fora do acervo.
Além de chamar os funcionários de senhor e de abaixar a cabeça durante a revista, os detentos, como o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, acusado de liderar sequestros e da morte do prefeito de Campinas, Toninho do PT, só saem das celas individuais para uma hora e meia de banho de sol por dia e não têm direito a rádio, TV, revistas e jornais.
"Fazemos uma seleção rigorosa. Evitamos livros de guerrilha, que ensinam técnicas de combate. Os caras que estão aqui não são os melhores. Não queremos que eles continuem com sua mentalidade", diz Oliveira. "Já apreendi um livro que mostrava como assaltar bancos, fazer atentados. Um familiar tinha mandado." Oliveira, responsável pela guarda de 49 detentos, afirma que toma o cuidado de ler antes as obras que os detentos encomendam.
Para o secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, a livre circulação de livros pode conturbar a rotina prisional: "A gente não entrega os livros enviados pelos familiares, porque, muitas vezes, eles tentam levar mensagens cifradas marcando páginas, destacando frases. Livros como "Estação Carandiru" ou sobre a fundação do Comando Vermelho não entram, porque evitamos obras que falem do sistema penitenciário. Eles serviriam para agitar os ânimos. Basicamente temos romances não ligados à vida prisional".
Furukawa afirma que não vê desrespeito a direitos dos presos. "É um regime especial. Não vejo como violação de nenhum direito. São três as penitenciárias com RDD, em Taubaté, Avaré e Presidente Bernardes."

Rigor no controle
"Não sei o que dizer, conheci um destes presídios, e a disciplina é duríssima. Em princípio, sou contra censura. De um modo geral, acho o meu livro leve. E eles lá conhecem mais detalhes do que eu, é a rotina deles", diz Drauzio Varella.
De acordo com a advogada Dora Cordani, o controle acarreta uma restrição além da prevista em lei. "Não acho justo, não acho razoável e nem sequer legal. Embora a Lei da Execução Penal (lei 7210/ 84) preveja constituir direito o contato com o mundo exterior por meio da leitura e de outros meios de informação. Acredito que o detento não deve sofrer outras restrições à sua liberdade que não aquelas expressamente previstas em lei."
Segundo Cordani, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, entidade formada por advogados, a Constituição assegura o respeito à integridade moral do preso (art. 5º, inc. 49).
A advogada diz que a resolução editada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que trata de regras para o tratamento do preso no Brasil, estipula a obrigatoriedade dos presídios manterem uma biblioteca sem contudo reproduzir o senso de "bons costumes".
"Não me parece razoável creditar à direção dos estabelecimentos penitenciários o poder de decidir o que constitui ou não leitura adequada aos internos, sob pena de se criar mecanismo injusto de censura, que em nada colabora para a ressocialização do detento", afirma.


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