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comentário
Músico foi um dos primeiros a ter platéia multicolorida
EDSON FRANCO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Em que tom é a música?",
pergunta o baixista da banda do
então iniciante Bruce Springsteen. "Como em que tom? Nós
vamos tocar música de Chuck
Berry", respondeu o próprio
Berry antes de tocar a primeira
canção durante um show em
meados dos anos 70.
E isso resume bem a história.
Se o sujeito não sabe tocar "música de Chuck Berry", não pode
subir num palco e bater no peito dizendo que faz rock'n'roll.
O cantor, compositor e guitarrista de 81 anos que está
prestes a se apresentar em São
Paulo sabe que o som que forjou constitui o abecedário indispensável para todo músico
que se mete nesse negócio.
Assim, pode se dar ao luxo de
viajar -pelo menos nos EUA-
sem levar uma banda de apoio.
Por qualquer lugar que passe,
vai encontrar um bando de moleques condenados a passar o
resto da vida decifrando e cultuando a música de Chuck
Berry, rezando por uma oportunidade para acompanhá-lo.
"Maybellene"
Para ouvidos contemporâneos, a fórmula de Berry parece
vulgar. Afinal, essa história
de juntar o calvário do blues
eletrificado com os coices
rítmicos da música country é
algo que já ouvimos com os
Beatles, os Rolling Stones e até
com os Simpsons.
Mas eles aprenderam essa lição só depois de terem gravado,
respectivamente, "Roll Over
Beethoven", "(Get Your Kicks
on) Route 66" e "School Days",
todas composições de Berry,
que começou a maturar sua receita em 1955. Foi o ano em que
ele entrou nos estúdios da gravadora Chess, em Chicago, para
registrar o vigoroso country-blues "Maybellene".
Definido o tabuleiro rítmico
sobre o qual iria espalhar suas
peças melódicas, o "primeiro-ministro do rock'n'roll" se
especializou na arte de bolar
letras que, apesar do caráter
onomatopéico, são fluidas e
cheias de sentido.
Tudo é confeccionado com
uma métrica que, na música
brasileira, só encontra paralelo
em Dorival Caymmi. É a régua
e o compasso do rock. E há
o canto, cheio de um suingue
que realça as nuances da fórmula e adiciona novas cores à
pulsação da música.
Em termos técnicos, Berry
seria considerado um guitarrista mediano. Não é capaz de
criar solos dignos de nota. Mas
inventou um jeito de incorporar os chamados "double stops"
(duas notas tocadas simultaneamente) ao rock que acabou
virando o Big Bang do estilo.
Quem já ouviu -ou viu no filme
"De Volta para o Futuro"- a introdução de "Johnny B. Goode"
sabe do que se fala aqui.
Country branco
A sustentação musical da
obra de Berry é inquestionável,
mas, incorporada ao inconsciente coletivo, ela turva uma
função bem maior desempenhada pelo som do guitarrista.
Ao involuntariamente botar
para ferver um pingado de
country branco com blues negro, ele foi dos primeiros artistas do mundo pop a ter diante
de si uma platéia multicolorida.
Estávamos no final dos anos
50, numa América do Norte segregada e que, como agora, precisava de mudanças. Mas o rock
já não tem a mesma força. A bola está com Obama.
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