São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2008

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comentário

Músico foi um dos primeiros a ter platéia multicolorida

EDSON FRANCO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Em que tom é a música?", pergunta o baixista da banda do então iniciante Bruce Springsteen. "Como em que tom? Nós vamos tocar música de Chuck Berry", respondeu o próprio Berry antes de tocar a primeira canção durante um show em meados dos anos 70.
E isso resume bem a história. Se o sujeito não sabe tocar "música de Chuck Berry", não pode subir num palco e bater no peito dizendo que faz rock'n'roll.
O cantor, compositor e guitarrista de 81 anos que está prestes a se apresentar em São Paulo sabe que o som que forjou constitui o abecedário indispensável para todo músico que se mete nesse negócio.
Assim, pode se dar ao luxo de viajar -pelo menos nos EUA- sem levar uma banda de apoio. Por qualquer lugar que passe, vai encontrar um bando de moleques condenados a passar o resto da vida decifrando e cultuando a música de Chuck Berry, rezando por uma oportunidade para acompanhá-lo.

"Maybellene"
Para ouvidos contemporâneos, a fórmula de Berry parece vulgar. Afinal, essa história de juntar o calvário do blues eletrificado com os coices rítmicos da música country é algo que já ouvimos com os Beatles, os Rolling Stones e até com os Simpsons.
Mas eles aprenderam essa lição só depois de terem gravado, respectivamente, "Roll Over Beethoven", "(Get Your Kicks on) Route 66" e "School Days", todas composições de Berry, que começou a maturar sua receita em 1955. Foi o ano em que ele entrou nos estúdios da gravadora Chess, em Chicago, para registrar o vigoroso country-blues "Maybellene".
Definido o tabuleiro rítmico sobre o qual iria espalhar suas peças melódicas, o "primeiro-ministro do rock'n'roll" se especializou na arte de bolar letras que, apesar do caráter onomatopéico, são fluidas e cheias de sentido.
Tudo é confeccionado com uma métrica que, na música brasileira, só encontra paralelo em Dorival Caymmi. É a régua e o compasso do rock. E há o canto, cheio de um suingue que realça as nuances da fórmula e adiciona novas cores à pulsação da música.
Em termos técnicos, Berry seria considerado um guitarrista mediano. Não é capaz de criar solos dignos de nota. Mas inventou um jeito de incorporar os chamados "double stops" (duas notas tocadas simultaneamente) ao rock que acabou virando o Big Bang do estilo. Quem já ouviu -ou viu no filme "De Volta para o Futuro"- a introdução de "Johnny B. Goode" sabe do que se fala aqui.

Country branco
A sustentação musical da obra de Berry é inquestionável, mas, incorporada ao inconsciente coletivo, ela turva uma função bem maior desempenhada pelo som do guitarrista.
Ao involuntariamente botar para ferver um pingado de country branco com blues negro, ele foi dos primeiros artistas do mundo pop a ter diante de si uma platéia multicolorida.
Estávamos no final dos anos 50, numa América do Norte segregada e que, como agora, precisava de mudanças. Mas o rock já não tem a mesma força. A bola está com Obama.


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