São Paulo, Quarta-feira, 16 de Junho de 1999
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Gravadoras piram e artista leva fama

da Reportagem Local

De doidão foi a fama que Tim Maia sempre teve, principalmente quando acreditou nos preceitos do Universo em Desencanto e saiu pelo mundo em busca de adorados extraterrestres. Mas quem acreditou nisso esqueceu que loucura e música nunca foram inimigas.
"Tim Maia Racional" talvez não deva mesmo ser ouvido por fãs sugestionáveis, que possam acreditar que os seres da Planície Racional estão para chegar. Mas, fora isso, corresponde à fase criativa mais alucinada que o artista viveu.
Mesmo tendo produzido quatro LPs fenomenais na Philips, entre 70 e 73, já então se tornava incompatível com o sistema. Se "Racional" parece mesmo obra de pirado, marca também o primeiro grito de independência dado por um artista que então gozava de boa aceitação no mercado. Gravadora só tinha mesmo que achá-lo irracional.
Resultado disso, forjou as mais profundas pesquisas de nacionalização de funk e de soul, tornando nacional a psicodelia negra inaugurada nos EUA por Sly Stone e George Clinton (do Funkadelic).
"Tim Maia Racional" é só alucinação. "Imunização Racional (Que Beleza)", resgatada por Marisa Monte no início dos 90 e regravada há pouco por Gal Costa, abria o volume 1 e fechava o 2, revestindo o panfleto lunático com guitarras choradas e vocais quase gospel.
Tim fazia o que bem quisesse com sua voz -em "Contato com o Mundo Racional", ela vinha em falsete, dobrada, vocal soul aquecido por violão bem brasileiro.
Cantava o pungente tema de dor "Bom Senso" com abandono, entre cordas abundantes, guitarras estridentes e vocal radicais, ressaltadores não da letra, mas do que ela não pronuncia -o desespero.
Em seguida, pirava e começava a panfletar em inglês -"Rational Culture" é um delírio funk psicodélico abrasileirado de 13 minutos, híbrido mais radical de Mutantes, Erasmo Carlos e Gilberto Gil.
No volume 2, aumentava a complexidade dos arranjos e se fazia pioneiro de novo, antevendo o futuro discothèque que aguardava a cultura black.
Em seu funk, cabiam Cuba (a rumba "Que Legal") e "Guiné Bissau, Moçambique e Angola Racional". Cuspia no prato farto de antes, mudando a letra de "Gostava Tanto de Você" (agora "Paz Interior") e gritando: "Eu agora já não dependo de você".
Visto de longe Tim (ir)racional se impõe como a mais bela metáfora do beco sem saída a que o regime militar conduziu a classe artística. Estava todo mundo doidão, mas Gil, Rita Lee, Erasmo e Baby Consuelo não eram páreo para aquele homenzarrão sem amarras.
Bem, dito tudo isso não resta muito de Tim Maia nos dias que correm. A Universal relança parte significativa de sua obra no subsolo, com incompreensível discrição.
Maluca por dinheiro, a Som Livre busca os confusos registros finais -de um Tim romântico que cantava Peninha (a bendita "Sozinho"), Gonzaguinha ("Lindo Lago do Amor") e Djavan ("Oceano")- e os reveste com oportunistas arranjos acústicos (até o muito mineiro Wagner Tiso entrou no jogo, sabe-se lá por quê), compondo o "samba do Tim Maia doido". Depois, o coitado do Tim é que era maluco. (PAS)


Avaliação:  


Disco: Soul Tim Artista: Tim Maia Lançamento: Som Livre Quanto: R$ 18, em média

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