|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Gravadoras piram e artista leva fama
da Reportagem Local
De doidão foi a fama que Tim
Maia sempre teve, principalmente
quando acreditou nos preceitos do
Universo em Desencanto e saiu pelo mundo em busca de adorados
extraterrestres. Mas quem acreditou nisso esqueceu que loucura e
música nunca foram inimigas.
"Tim Maia Racional" talvez não
deva mesmo ser ouvido por fãs sugestionáveis, que possam acreditar
que os seres da Planície Racional
estão para chegar. Mas, fora isso,
corresponde à fase criativa mais
alucinada que o artista viveu.
Mesmo tendo produzido quatro
LPs fenomenais na Philips, entre
70 e 73, já então se tornava incompatível com o sistema. Se "Racional" parece mesmo obra de pirado,
marca também o primeiro grito de
independência dado por um artista que então gozava de boa aceitação no mercado. Gravadora só tinha mesmo que achá-lo irracional.
Resultado disso, forjou as mais
profundas pesquisas de nacionalização de funk e de soul, tornando
nacional a psicodelia negra inaugurada nos EUA por Sly Stone e
George Clinton (do Funkadelic).
"Tim Maia Racional" é só alucinação. "Imunização Racional (Que
Beleza)", resgatada por Marisa
Monte no início dos 90 e regravada
há pouco por Gal Costa, abria o volume 1 e fechava o 2, revestindo o
panfleto lunático com guitarras
choradas e vocais quase gospel.
Tim fazia o que bem quisesse
com sua voz -em "Contato com o
Mundo Racional", ela vinha em
falsete, dobrada, vocal soul aquecido por violão bem brasileiro.
Cantava o pungente tema de dor
"Bom Senso" com abandono, entre cordas abundantes, guitarras
estridentes e vocal radicais, ressaltadores não da letra, mas do que
ela não pronuncia -o desespero.
Em seguida, pirava e começava a
panfletar em inglês -"Rational
Culture" é um delírio funk psicodélico abrasileirado de 13 minutos,
híbrido mais radical de Mutantes,
Erasmo Carlos e Gilberto Gil.
No volume 2, aumentava a complexidade dos arranjos e se fazia
pioneiro de novo, antevendo o futuro discothèque que aguardava a
cultura black.
Em seu funk, cabiam Cuba (a
rumba "Que Legal") e "Guiné Bissau, Moçambique e Angola Racional". Cuspia no prato farto de antes, mudando a letra de "Gostava
Tanto de Você" (agora "Paz Interior") e gritando: "Eu agora já não
dependo de você".
Visto de longe Tim (ir)racional
se impõe como a mais bela metáfora do beco sem saída a que o regime militar conduziu a classe artística. Estava todo mundo doidão,
mas Gil, Rita Lee, Erasmo e Baby
Consuelo não eram páreo para
aquele homenzarrão sem amarras.
Bem, dito tudo isso não resta
muito de Tim Maia nos dias que
correm. A Universal relança parte
significativa de sua obra no subsolo, com incompreensível discrição.
Maluca por dinheiro, a Som Livre busca os confusos registros finais -de um Tim romântico que
cantava Peninha (a bendita "Sozinho"), Gonzaguinha ("Lindo Lago
do Amor") e Djavan ("Oceano")-
e os reveste com oportunistas arranjos acústicos (até o muito mineiro Wagner Tiso entrou no jogo,
sabe-se lá por quê), compondo o
"samba do Tim Maia doido". Depois, o coitado do Tim é que era
maluco.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Soul Tim
Artista: Tim Maia
Lançamento: Som Livre
Quanto: R$ 18, em média
Texto Anterior: Letras (ir)racionais Próximo Texto: Joyce Pascowitch Índice
|