São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 2002

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ANÁLISE

Atriz apaga psicologia e emoção

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Sabrina Greve surpreendeu o público do Festival de Cinema de Brasília duas vezes.
A primeira ao aparecer na tela como a personagem Biela, em "Uma Vida em Segredo" -uma moça da roça, desengonçada e primitiva, com suas pernas finas, seu pescoço longo e seu rosto oval, pouco à vontade nas roupas da cidade que lhe deram para vestir. Algo como uma Olívia Palito pintada por Modigliani.
A segunda surpresa da atriz foi aparecer "à paisana" fora do filme, com óculos escuros de grife, dançando rock nas festas -uma mulher cabalmente urbana, moderna, vivaz, plena de promessas e perigos. Tudo aquilo que parecia ser desvantagem na tela -a altura, a magreza, a estranheza do rosto- virava a seu favor.
A distância entre uma Sabrina e outra -ou melhor, entre Sabrina e Biela- dá a dimensão do notável trabalho da atriz no filme.
Não que ela tenha composto a personagem a partir de uma pesquisa de intenções miméticas, em busca de traços "naturais" de uma moça caipira, ou algo do gênero.
A atuação de Sabrina Greve é o oposto do método Stanislavski (e de sua versão americana, o estilo "Actor's Studio"). Em vez da composição do personagem, o despojamento. Em vez do acréscimo de elementos, a subtração.
A atriz parece ter-se entregado à tarefa de apagar sistematicamente todas as suas características psicológicas ou emotivas, de modo a transformar seu rosto, virtualmente, numa tela em branco.
Afastou-se da técnica usual dos atores -inclusive daqueles com quem contracenou no filme- e aproximou-se da função de "modelo" preconizada pelo cineasta francês Robert Bresson.
Em lugar da "expressão de sentimentos" oferecida pelo ator ("de dentro para fora"), Bresson queria um modelo "encerrado em sua misteriosa aparência".
Sabrina Greve fez exatamente isso. A melhor coisa de "Uma Vida..." é a superfície ao mesmo tempo simples e impenetrável do seu rosto.



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