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ANÁLISE
Atriz apaga psicologia e emoção
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Sabrina Greve surpreendeu o
público do Festival de Cinema
de Brasília duas vezes.
A primeira ao aparecer na tela
como a personagem Biela, em
"Uma Vida em Segredo" -uma
moça da roça, desengonçada e
primitiva, com suas pernas finas,
seu pescoço longo e seu rosto
oval, pouco à vontade nas roupas
da cidade que lhe deram para vestir. Algo como uma Olívia Palito
pintada por Modigliani.
A segunda surpresa da atriz foi
aparecer "à paisana" fora do filme, com óculos escuros de grife,
dançando rock nas festas -uma
mulher cabalmente urbana, moderna, vivaz, plena de promessas
e perigos. Tudo aquilo que parecia ser desvantagem na tela -a
altura, a magreza, a estranheza do
rosto- virava a seu favor.
A distância entre uma Sabrina e
outra -ou melhor, entre Sabrina
e Biela- dá a dimensão do notável trabalho da atriz no filme.
Não que ela tenha composto a
personagem a partir de uma pesquisa de intenções miméticas, em
busca de traços "naturais" de uma
moça caipira, ou algo do gênero.
A atuação de Sabrina Greve é o
oposto do método Stanislavski (e
de sua versão americana, o estilo
"Actor's Studio"). Em vez da
composição do personagem, o
despojamento. Em vez do acréscimo de elementos, a subtração.
A atriz parece ter-se entregado à
tarefa de apagar sistematicamente
todas as suas características psicológicas ou emotivas, de modo a
transformar seu rosto, virtualmente, numa tela em branco.
Afastou-se da técnica usual dos
atores -inclusive daqueles com
quem contracenou no filme- e
aproximou-se da função de "modelo" preconizada pelo cineasta
francês Robert Bresson.
Em lugar da "expressão de sentimentos" oferecida pelo ator ("de
dentro para fora"), Bresson queria um modelo "encerrado em sua
misteriosa aparência".
Sabrina Greve fez exatamente
isso. A melhor coisa de "Uma Vida..." é a superfície ao mesmo
tempo simples e impenetrável do
seu rosto.
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