São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 2002

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MÚSICA

Núcleo de produção lança "Coleção Nacional", com convidados especiais de rap e mangue beat

Instituto questiona a autoria em CD

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Involuntariamente, o grupo Instituto vem jogar mais pimenta na acalorada discussão da MPB sobre numeração de discos, autoria, direito autoral, formatos musicais, renovação artística etc.
Nem é que os quatro rapazes organizados em torno do também nascente selo Instituto tenham opinião firme sobre tais assuntos. Sua intervenção nasce já a partir da dificuldade de conceituar o que eles são e o que é seu primeiro disco, "Coleção Nacional".
Rica Amabis, 28, Tejo Damasceno, 26, e Daniel Ganja Man, 24, são produtores musicais em São Paulo. Rodrigo Silveira, 24, é programador visual. Juntos, não formam um grupo musical, dizem.
"Instituto é um selo, um estúdio e um projeto musical", tenta explicar Silveira. " "Coleção Nacional" é uma coletânea que produzimos para apresentá-lo", continua Damasceno. "Instituto é um núcleo de produção. É um conceito novo", atalha Amabis, hesitante.
Embora mais ou menos novatos, os rapazes já têm militância no novo pop. Atuam na produção técnica do recém-lançado CD dos Racionais. Co-produziram a trilha do filme "O Invasor", estrelada pelo rapper Sabotage. Assinarão seis faixas do novo da Nação Zumbi. Rica Amabis lançou o CD solo "Sambadelic" (99).
"A gente não é banda, nem artista. Sou produtor e programo samples. Ganja Man é produtor, mas também é músico", define Damasceno. "Eu sou mais produtor e técnico de som, não me considero músico", afirma Amabis. "É uma cultura em que o produtor acaba virando um pouco artista", admite enfim Damasceno.
O texto de apresentação do disco para a imprensa, elaborado pelo produtor e jornalista Alex Antunes, é mais incisivo: "O que é um produtor, o que é um DJ, o que é um artista solo, o que é um "projeto'? Na música pop atual as barreiras entre categorias vêm sendo anarquicamente borradas e ignoradas por uma geração para quem a tecnologia é apenas um isqueiro para acender o rastilho da criatividade, e a "assinatura" é mais uma oportunidade para bagunçar a noção de autoria".
Continua Antunes: "Remixes em que não aparece nada da gravação original, ou a aparição do chamado "bastard pop", onde moleques simplesmente acoplam samples de duas ou mais músicas, à revelia de gravadoras, para criar um hit instantâneo pela internet -este é um mundo de pesadelo para os carcereiros da cultura".
Os próprios "moleques" do Instituto tratam de jogar água fria pessimista no entusiasmo teórico de Antunes: "Alex é louco para inventar movimento e colocar manifesto em tudo", ri Amabis. "Só queremos juntar uma galera que curte os mesmos sons -samba, reggae, eletrônica, hip hop, um pouco de jazz", simplifica.
A "galera" não é nada pequena. Alternam-se por 14 faixas, quase sempre sob supervisão do núcleo central, nomes de vanguarda do hip hop (Sabotage, Rappin" Hood, Z'África Brasil, BNegão, Zé Gonzales), expoentes do mangue beat (Fred Zero Quatro, Otto, Nação Zumbi sob o pseudônimo Los Sebosos Postizos), garotos pós-mangue beat (Bonsucesso Samba Clube), artistas pop gaúchos (o lunático Flu, membros do Ultramen e da Comunidade Nin-Jitsu, reunidos sob o apelido Traidores da Babilônia), cânones da tradição (Cila do Coco) etc.
Também a explicação para tamanha congregação de músicos é prosaica. "Parece que foi complicado fazer, mas não foi. Todo mundo é amigo, aparece em casa. Nós íamos gravando", conta Damasceno, dono da casa/ estúdio/ gravadora/instituto.
Um dos preceitos do Instituto é intervir sobre o trabalho de cada convidado. Sabotage canta samba, a letra de Rappin" Hood praticamente desaparece na mixagem final, Fred Zero Quatro vai de reggae, o rapper Fernandinho Beatbox (do Z'África Brasil) faz percussão vocal em tempo de samba etc. "O CD todo é de gente fazendo coisas que não faz normalmente", diz Damasceno.
A autoria vira conceito esfumaçado também no imaginário visual de "Coleção Nacional", que retrata pessoas em situações cotidianas, mas sempre com o rosto escondido por toalha branca com logotipo vermelho do Instituto.
Se isso simboliza o processo de extinção do autor, nem aí os rapazes são afirmativos: "É uma brincadeira não premeditada, que tem rendido várias interpretações", diz Silveira. "As fotos brincam também com o terrorismo, com não ser identificado", entrega Damasceno. "Quem são os caras por trás das toalhas?", pergunta Silveira. São o Instituto.



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