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CINEMA
Othon Bastos recebe homenagem em Brasília
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
O ator baiano Othon Bastos será
homenageado amanhã no Festival Internacional de Cinema de
Brasília, com o lançamento do
quarto volume dos "Cadernos do
Cine Academia", perfil escrito por
Cláudio Valentinetti, e a exibição
de três de seus filmes mais representativos: "Deus e o Diabo na
Terra do Sol" (1964), "O Dragão
da Maldade contra o Santo Guerreiro" e "São Bernardo" (1971).
Bastos, 44 anos de carreira e 30
filmes no currículo, queria ter feito mais cinema. De formação teatral (ele começou nos anos 50, no
Teatro do Estudante de Pascoal
Carlos Magno, no Rio) e especialização shakespeariana (na tradicional Webber Douglas Academy, de Londres), Bastos se realizou diante da câmera, tendo trabalhado com os mais importantes
diretores do cinema novo e da retomada do cinema brasileiro.
Aos 71 anos, com energia de garoto, o ator comenta os filmes que
fez com paixão contagiante. Adora imitar os diretores com quem
trabalhou, alterando a voz e ampliando os gestos para falar do
barroco Glauber Rocha e baixando o tom para mostrar como
Walter Salles dirige os atores. Bastos está na novela "Cabocla" e em
breve volta às telas em "Irmãos de
Fé", filme do padre Marcelo Rossi. Em entrevista à Folha, ele faz
balanço de sua carreira.
Folha - Como o cinema entrou na
sua vida?
Othon Bastos - Quando Alex
Viany fez "Sol sobre a Lama", na
Bahia. Foi meu primeiro filme,
em 1960. Em seguida conheci
Glauber. Ele tinha 18, 19 anos, mas
já era respeitadíssimo. Ficamos
amigos. Um tempo depois, com a
Sociedade de Teatro dos Novos,
começamos a fazer espetáculos
inspirados em cordéis com a técnica de Brecht, que Glauber viu e
adorou.
Folha - Por isso ele o chamou para
fazer "Deus e o Diabo"?
Bastos - Não, quem estava escalado era o Adriano Lisboa, um homem bonitíssimo, louro, de olhos
azuis, alto, para duelar com o
Maurício do Valle, aquele armário. Mas na última hora Adriano
optou fazer outro filme, "Crime
no Sacopã", do Roberto Pires.
Folha - "Deus e o Diabo" transformou-se muito na filmagem?
Bastos - Bastante. O roteiro original era bem mais tradicional, tinha flashbacks etc. Foi depois das
conversas sobre Brecht e a experiência do teatro de cordel que o
Glauber resolveu mudar tudo.
Numa viagem de carro de Salvador a Monte Santo, com o roteiro
na mão, fomos trocando tudo.
Folha - Como nasceu o gestual do
Corisco?
Bastos - Corisco, na Bahia, é
aquele fogo de artifício que você
acende e ele sai rodando, alucinado. Pensei em fazer isso com o
personagem, e o Glauber adorou
a idéia. Foi uma loucura, um cangaceiro ficar rodando, como uma
louca. Mas Corisco é ágil, pensa
rápido, e aquilo combinou bem
com nossas idéias. O filme foi feito todo pensado a partir da técnica de Brecht, que de certa forma é
também a técnica do contador.
Folha - Depois de "Deus e o Diabo", por que você ficou quatro anos
sem filmar?
Bastos - Porque as pessoas só me
ofereciam cangaceiros e bandidos
violentos. Além disso, virei um
ator do Glauber, pertencia a ele.
Antes de me chamar, as pessoas
ligavam para ele primeiro. Glauber gargalhava e dizia: "Não sou
agente do Othon". Depois ligava
para mim: "Vou querer 20%!".
Folha - Com "Os Deuses e os Mortos" (1970), de Ruy Guerra, você
ganhou seu primeiro prêmio em cinema, no Festival de Brasília.
Bastos - É um filme que adoro,
que também não ia fazer. Quase
todos os filmes que fiz foram por
acaso. O Bentinho de "Capitu",
do Paulo César Saraceni, por
exemplo, seria o Gianfrancesco
Guarnieri, que não pôde fazer. O
Ruy filmaria com o Walmor Chagas, mas ele teve uma hepatite.
Folha - Qual a diferença entre
Glauber e Ruy?
Bastos - Glauber era épico; Ruy é
a razão. Glauber leva o ator no impulso. Com Ruy, a gente ensaiava
cinco, seis horas antes de rodar.
Quando ele achava que estava
pronto, chamava o grande Dib
Lutfi: "A cena é essa, ande com a
câmera, não atrapalhe os atores".
Folha - Alguns consideram seu
melhor trabalho Paulo Honório de
"São Bernardo", de Leon Hirszman.
Bastos - Existem três filmes especialmente importantes na minha carreira: "Deus e o Diabo",
"São Bernardo" e "Os Sermões",
de Julio Bressane. "São Bernardo"
eu quase não aceitei. A gente abre
o livro de Graciliano Ramos e lê
que Paulo Honório é ruivo, tem
mãos enormes e lábios grossos, e
esse, obviamente, não sou eu. Mas
Leon me convenceu, dizendo que
queria enfatizar o lado político.
Folha - Você trabalhou com Walter Salles e Laís Bodanzky. A nova
geração de cineastas é acompanhada por nova geração de atores?
Bastos - Sem dúvida, está surgindo uma geração talentosíssima, com nomes como Rodrigo
Santoro, Lázaro Ramos, Wagner
Moura. Espero que tenham mais
chance de fazer cinema. Eu queria
ter feito mais, mas fica difícil com
a produção interrompida a toda
hora. Tenho a impressão de que o
cinema brasileiro está engatinhando para uma permanência
maior, mais industrial. Isso é importante, gera oportunidades e,
com o tempo, melhores filmes.
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