São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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Trilogia do escritor polonês Henryk Sienkiewicz ganha tradução em português

Sangue de heróis

Alik Keplicz - 1º.ago.01/Associated Press
Estátuas de figuras religiosas parcialmente submersas pelo transbordamento do rio Vistula, em Kepa Gostecka, na Polônia


JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Se há livros que marcam época e se fixam irremovíveis nas prateleiras da história, são os romances de formação. Quando se trata da formação de uma nação inteira, então, da história dos heróis, batalhas e amores que a levaram a constituir-se, tal marca pode imprimir-se indelevelmente por incontáveis anos, leitores e edições.
Esse é o caso de uma trilogia do polonês Henryk Sienkiewicz (1846-1916), coroado há exatos cem anos com o Prêmio Nobel de Literatura, muito embora o tenha recebido em virtude de outra obra de estrondoso sucesso, "Quo Vadis?", traduzida a mais de 30 línguas e adaptada 12 vezes ao cinema. Em comemoração do centenário, vão chegando às livrarias brasileiras desde o início do ano passado, pela primeira vez traduzidos ao português a partir do original, cada um dos seis tomos que constituem a trilogia desse que é, se não o melhor escritor polonês de todos os tempos, certamente o mais definitivo para a formação da identidade do país.
Seis tomos de uma trilogia? Não estranhe o leitor: são mais de 3.000 páginas divididas em três partes, cada uma configurando um romance, todos publicados pela Record: "A Ferro e Fogo", lançado em 2004 em dois volumes; "O Dilúvio", cujo terceiro e último volume acaba de sair do prelo; e "O Pequeno Cavaleiro", ainda em fase de tradução. Uma epopéia de incontáveis peripécias de guerreiros em impiedosas batalhas, cada livro retratando historicamente uma guerra diferente do século 17, contra ucranianos, suecos e turcos, nessa ordem.

Coragem
Uma obra "escrita com muito esforço para encorajar e robustecer os corações poloneses que estavam oprimidos", escreveu o próprio Sienkiewicz no epílogo da terceira parte. Escrita e publicada, capítulo por capítulo, diária ou semanalmente, em folhetins de Varsóvia, capital do país, ao longo da década de 1880.
Para que tanta coragem? Porque na época em que escrevia Sienkiewicz e desde 1795, a Polônia havia simplesmente desaparecido do mapa, seu território, dividido entre Prússia, Áustria e Rússia. Sua cultura, no entanto, sobrevivia. "Mesmo que o estado polonês não existisse, o país, com suas paisagens, sua memória, suas línguas e cultura, um país construído ao longo de sete séculos, continuava e resistia de diversas maneiras. A escrita de Sienkiewicz foi sem dúvida uma delas", explica Henryk Siewierski, professor e autor de "História da Literatura Polonesa" (UnB).
Uma coragem que faria a nação reaparecer como país ao fim da Primeira Guerra Mundial e que seguiria a inspirar seus movimentos de resistência: "O impacto de seus personagens na memória do povo polonês é tão grande que, durante a ocupação nazista, os combatentes da guerrilha polonesa usavam os seus nomes como codinomes", reitera Tomasz Barcinski, tradutor da obra. E Sienkiewicz já conhecia seus fins no momento em que recebeu o Nobel. "Tão apreciada por todos, quanto mais valiosa deve ser esta honra para um filho da Polônia. Foi declarada morta, e eis uma das milhares de provas de que ela está viva", declarou na cerimônia.

O prazer da leitura
Mas que prazeres poderá encontrar o leitor brasileiro ao conhecer essa história tão local e patriótica? Barcinski garante que os encontrará sem dificuldades, se não nos sanguinolentos e detalhados relatos de batalhas, ou nas elaboradas descrições de paisagens, "no enredo em si, na belíssima história de amor de cada livro". Siewierski dá outras pistas. "Nas páginas dos romances, não só as glórias do passado brilham em cores vivas mas também renasce a vida cotidiana, os costumes, a linguagem e a mentalidade dos antepassados", diz.
Vale, entretanto, a ressalva, admitida pelo próprio tradutor: o leitor terá de enfrentar Herakliusz, Drozejkany, Gasztowt, Gosciewicz e outros ilegíveis nomes. "E olhe que eu não coloquei acento agudo em cima de "c", barra cruzando o "l", ou ponto em cima de "z", como é comum nas línguas eslavas", adverte Barcinski.

A publicação
Três mil páginas de sangue, amor e pátria, seis volumes, custando mais de R$ 50 cada um. "Trata-se de projeto ambicioso para uma editora, mas não inteiramente insano", diz Luciana Villas-Boas, da Record. "Lembremos que este tipo de romance histórico, com detalhada parte bélica e vívidas descrições de batalhas, é do gosto do público brasileiro." Não deve estar errada. Por ora, os dois primeiros volumes venderam 3.000 exemplares cada um.


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