São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2008

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A sombra de Jarman

Pioneiro do cinema indie britânico, o provocador Derek Jarman é lembrado com lançamento de sua obra em DVDs e documentário de Isaac Julien, que estará no Mix Brasil

Divulgação
Derek Jarman (1942-1994) à frente de projeção do filme "Blue'

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi da boca para fora que Derek Jarman disse, quatro anos antes de morrer, que não queria ser lembrado. Quando fez da própria morte um manifesto público contra a epidemia da Aids, sabia o tamanho da marca que deixava. Também conhecia os não poucos discípulos que seguiriam no encalço.
Ativista gay na era Margaret Thatcher e provocador por vocação, Jarman (1942-1994), pintor e cineasta, ajudou a fundar o cinema independente britânico, uniu artes visuais e película -lançando com isso as bases para a chamada "estética queer"- e preparou terreno para os Young British Artists, geração de nomes como Damien Hirst, Tracey Emin e Cerith Wyn Evans.
Agora o legado de Jarman é lembrado com o lançamento simultâneo de uma caixa com seus principais filmes, nos Estados Unidos, e as edições nacionais em DVD de "Blue" e "Sebastiane", ambas já à venda.
Um documentário recém-lançado nos EUA, com estréia em São Paulo no festival Mix Brasil em novembro deste ano, completa esse revival de Jarman. Em "Derek", a oscarizada Tilda Swinton, que foi amiga pessoal de Jarman, percorre as trilhas do cineasta por Londres. O roteiro é uma carta-homenagem que ela escreveu e publicou oito anos depois da morte do amigo, lamentando que sem ele tudo ficou "arrumadinho demais", controlado pela "mão morta do bom gosto".
Quem dirige é o artista plástico britânico Isaac Julien, apontado como o herdeiro de Jarman. Negro e homossexual, ele parece atualizar essa herança: ambos foram indicados ao principal prêmio da arte britância, o Turner, e nenhum dos dois venceu. "Ele criou uma verdadeira plataforma para cineastas gays fazerem seu trabalho", diz Julien à Folha. E, com certo exagero, decreta: "Quando Derek morreu, o cinema de arte britânico morreu junto".

Cinema e vida
De fato, o cinema de Jarman parece feito à imagem da própria vida. Se seu filme de estréia, "Sebastiane" (1976), foi uma celebração da recém-conquistada liberdade sexual dos anos 70, "Blue" (1993) é o relato sombrio dos últimos meses de vida de uma vítima da doença que fechou esse ciclo.
Entre os dois extremos, Jarman dirigiu clipes dos Pet Shop Boys e dos Smiths, permitindo uma penetração não menos gay no mundo pop. Também fez homenagem a contestadores históricos, como Caravaggio. Ele gostava, como o italiano, de inverter os papéis: colocar putas no lugar de santas.
"Sebastiane" parodiava a história de são Sebastião, tradicional ícone gay, vítima de flechadas na cruz. Não bastasse fazer o filme em latim, Jarman chamou a atenção da crítica e da censura quando pôs em cena os primeiros nus frontais masculinos do cinema britânico.
Quase 20 anos depois, já cego por causa da Aids, Jarman assumiu a doença em público. Transformou sua deterioração em manifesto. "Blue" é uma hora e meia de tela azul -o azul do artista francês Yves Klein.
Sobre essa única imagem, o cineasta orquestra os ruídos do quarto onde esteve internado até a morte. Ele acrescenta à marcha fúnebre hospitalar diálogos de amigos sobre a vida e a visão. "Num sentido profético, "Blue" previu a maneira como artistas visuais trabalhariam a imagem em movimento dentro da galeria", diz Julien. "Ele gostava de ser radical, provocar."
Alguns meses antes de sua morte, o Channel 4 britânico exibiu "Blue" sem intervalos, numa transmissão simultânea por seu canal de rádio. A partida não podia ser menos pública -nem menos lembrada.


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