São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2008

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Crítica/teatro/"Otelo"

Diogo Vilela reduz Otelo a uma paródia grotesca

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A ambição de Diogo Vilela em querer ser Iago é justificável. Já tendo um Hamlet no currículo, com direção de Marcus Alvisi, seu parceiro constante, Otelo é naturalmente o passo seguinte.
Vilela, que já foi o louco de Gogol e o Tio Vânia de Tchecov, possui um vocabulário entre o melancólico e sarcástico, que se presta bem ao desafio do papel, que se mantém, como Ricardo 3º, no limite tênue entre o cômico e o trágico.
Como mostra Barbara Heliodora, Otelo é uma tragédia construída com a estrutura de uma comédia: o habitual ridículo do traído deve ser evitado pela dignidade de Otelo, que vai paulatinamente tornando-se o monstro arquitetado pelo falso amigo Iago, até mergulhar em um melodrama despudorado.
A ambição, porém, de co-dirigir a peça pode estar na origem do constrangedor equívoco que é essa montagem. Caracterizado desde o início com excessos, entonação caricatural e sem nenhuma sutileza quando se dirige à platéia, Vilela faz toda a montagem girar em torno de um Iago monolítico, que sistematicamente rouba as cenas com os mesmos truques histriônicos. Da primeira à última cena, a platéia gargalha com um comediante que reduz a tragédia de Shakespeare a uma paródia grotesca.
Pior para o resto do elenco, que fica à deriva. Para Marcelo Escorel, sobra pouco mais do que tirar risos do público ao elogiar a amizade de Iago, depois que ele tão claramente expõe o contrário.
Jogada nessa fogueira das vaidades, Marcella Rica estréia com o pé esquerdo na profissão.
Adequada só superficialmente para o papel, a adolescente loira e frágil soa anacrônica, como uma menina de shopping perdida no mundo de adultos.
Seria injusto, no entanto, afirmar que ela é uma atriz de teatro infantil deslocada em uma montagem adulta. Soa bem pouco madura toda a encenação, que na cara pretensão de ser uma montagem "de época" parece se embasar na estética nos épicos hollywoodianos dos anos 50, com seus patéticos soldados dançarinos e trilha grandiloqüente sempre em primeiro plano, além de um figurino de gosto medonho.
Nem a tradução se aproveita.
Empolada e literária a ponto de obrigar Rose Abdallah a literalmente cuspir seu último texto de Emília, é "modernizado" de quando em quando por expressões como "pelados na cama" ou "fazer a cabeça". Curiosamente, quem melhor sobrevive é o ator com pior dicção, por seu sotaque italiano: Alvise Camozze é um clown eficiente em um papel que prevê um clown, o que faz dele, contraditoriamente, o único a manter a dignidade em cena.
Não está errado Vilela em sua ambição. Shakespeare é um autor sempre necessário, mesmo nos desastres. Está errado em sua vaidade. Ao querer centralizar tudo em torno de si, revelando uma leitura superficial de Otelo e, quem sabe, da função teatral, Vilela acaba demonstrando uma mediocridade injusta para a sua importante carreira -que é, em última análise, o que impede que se possa ser condescendente com essa paródia grotesca de Otelo.


OTELO
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 18h; até 31/8
Onde: teatro Raul Cortez - Fecomercio
(r. Dr. Plínio Barreto, 285, tel. 0/xx/ 11/3188-4141; 14 anos) Quanto: R$ 60 a R$ 70 Avaliação: péssimo




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