|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pistoleiros que fizeram Marçal Aquino conhecido no cinema povoam nova novela
O MATADOR
Fabiana Beltramin/Folha Imagem
|
O autor Marçal Aquino, que lança uma novela e uma antologia de contos, em seu apartamento repleto de livros, em SP |
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na novela "Cabeça a Prêmio", o
escritor Marçal Aquino, 45, retoma o universo das mortes por encomenda que já lhe rendeu o roteiro do filme "Os Matadores"
(97), de Beto Brant, a partir de um
conto. "Agora fui até o fim."
O trabalho exauriu emocionalmente o autor. Foram 44 dias de
convivência intensa com a dupla
de pistoleiros que chegou sem explicar e foi tomando espaço no
apartamento paulista desse escritor nascido em Amparo (SP). "Eu
só sabia que tinha dois caras tocaiando um sujeito."
Até que a história fosse descoberta, os três trancaram-se e perderam-se no labirinto temporal
do livro. A trama traz os elementos reais do tráfico, da violência e
do amor captados pelo autor no
cotidiano das ruas ou guardados
de sua experiência nos tempos em
que era jornalista policial.
A gênese da escrita concisa e das
descrições sumárias que domina
essa segunda novela de Aquino,
depois de "O Invasor" (2002), pode ser acompanhada na antologia
de contos "Famílias Terrivelmente Felizes", que está sendo lançada
ao mesmo tempo que "Cabeça a
Prêmio" pela Cosac & Naify.
Equilibrando seu tempo entre o
primeiro romance e a finalização
do roteiro, com Beto Brant, baseado no livro "Um Crime Delicado", de Sérgio Sant'Anna, Aquino
recebeu a Folha em seu apartamento abarrotado de livros. "O
Beto diz que os livros vão acabar
me colocando fora de casa."
Folha - Como surgiu a idéia de
"Cabeça a Prêmio"?
Marçal Aquino - No começo de
2001, tentei voltar para a novela
"O Invasor", da qual tinha escrito
um terço em 97 e tranformado em
roteiro. Como as pendências foram resolvidas para o cinema, o livro perdeu a graça, pois eu vou
achando a história enquanto escrevo. Não consegui retomar.
Nessa parada, surgiu o "Cabeça a
Prêmio". Aí foi um mergulho,
pois a estrutura era cheia de indas
e vindas, sabia pouco sobre os
personagens e a história foi vindo
de uma forma muito forte.
Folha - E a narrativa surgiu mesmo toda fragmentada?
Aquino - O que pode parecer estilo pode ser limitação. Não se deve pensar que eu manipulei, manejei os capítulos de forma a criar
uma estrutura narrativa diferente
da linear. Não. Fui enxergando a
história dessa maneira.
Folha- O sr. fez pesquisa para esse livro?
Aquino - Prefiro que a imaginação presida tudo. Mas a fagulha
está no real, na rua, numa frase,
numa situação. No fundo, sou um
ouvidor de conversa alheia.
Folha - Dessa observação é que
vem a visualidade da narrativa?
Aquino - Falam do visual, mas eu
não consigo ter distanciamento
para olhar isso. O cinema é mais
antigo que a literatura para mim,
ele me levou a escrever.
Folha - Mas, quando o sr. fala de
sua história, diz que a enxergou...
Aquino - Posso tomar o real como base, mas não me sinto escravo dele. Sempre tive consciência
de que é impossível trazer o real
para dentro da literatura sem o filtro da ficção. Vai soar inverossímil. O roteiro da realidade é tão
feroz que não dá para imaginar...
Folha - Em sua antologia "Famílias Terrivelmente Felizes", leio um
lirismo nos primeiros contos que
depois foi se transformando...
Aquino - Entendo que hoje o lirismo se dá noutro lugar. Não pela perspectiva da figura de linguagem, mas pela observação de um
fato que no real é lírico. Um mendigo sentado na sombra com um
ventilador me parece mais poético do que criar esse lirismo dentro
do corpo da narrativa. Mas esse
foi um processo natural. Sinto
que me aproximei da maneira como me interessa narrar...
Folha - E como é essa maneira?
Aquino - O Joca [Reiners Terron], que é escritor e editor, lendo
os meus últimos livros disse: "Você está muito perto de conseguir
escrever como você fala". Talvez
seja isso, essa sintaxe enxuta.
Sempre acreditei numa literatura
sem adereços, mais substantiva.
Folha - Qual o livro que o sr. está
escrevendo agora?
Aquino - O título é quilométrico:
"Eu Receberia as Piores Notícias
de seus Lindos Lábios". É um romance sobre amor. Há conflitos e
violência, mas não no recorte de
"Cabeça a Prêmio", que é como
"notícias do Brasil conflagrado".
Folha - Essa mudança de direção
tem a ver com um receio de ficar
marcado pelas histórias violentas?
Aquino - Às vezes me apontam
como escritor policial. É uma
classificação que não me incomoda. Tenho consciência que minha
literatura visita outros abismos.
Quando falo que estou escrevendo sobre o amor é uma guinada
natural para mim.
Folha - A retomada do universo
dos matadores, sucesso no cinema
de "Os Matadores", nesse "Cabeça
a Prêmio" não pode sugerir que o
sr. encontrou uma fórmula?
Aquino - Eu não tinha esgotado
esse meu contato com o universo
dos matadores no conto "Matadores". Agora, com "Cabeça a
Prêmio", fui até o fim. Mas todo
escritor tem suas obsessões. Revendo os contos comecei a encontrar as coisas que me inquietam. E
elas não se esgotam. Há sempre
uma maneira de manejar esses
elementos e ir noutra direção.
Não vejo como problema. É só
uma característica dentro de um
universo narrativo.
Folha - O sr. estava na antologia
"Geração 90 - Manuscritos de Computador", de Nelson de Oliveira. O
sr. é um autor da geração 90?
Aquino - Depende do viés. O critério do Nelson era reunir quem
começou a publicar prosa na década de 90 e tinha publicado mais
de um livro. Então me encaixava.
Mais importante do que se falar
em geração 90, é o mapeamento
que o Nelson fez. Eu não vejo polêmica. Está se gastando papel
com uma questão sem importância. Importante é fazer literatura.
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Frases Índice
|