São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2005

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COMPRO, LOGO EXISTO

Livro "Eu S/A" descreve um mundo "privatizado" pelas grandes corporações

Divulgação
Referência ao computador Apple na capa do livro "The Cult of Mac", de Leander Kahney, editado nos EUA pela No Starch Press


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Hack Nike está em apuros. Assinou um contrato com a empresa em que trabalha, a Nike, para assassinar alguns adolescentes que compraram o último lançamento da companhia, os tênis Mercury.
A estratégia do departamento de marketing da empresa é gerar burburinho em torno do produto e, assim, aumentar suas vendas. Mas nem tudo sai como o esperado, e uma agente, Jennifer Governo, passa a investigar o caso.
Hack Nike chama Hack Nike porque num "futuro próximo" todo mundo tem como sobrenome o nome da companhia em que trabalha. É um mundo dividido entre os países aliados dos EUA e os não-aliados (como a França), liderado pelas grandes corporações, em que o governo pouco ou quase nada atua; um mundo em que os cidadãos têm de pagar para serem ajudados pela polícia.
Este é o ambiente de "Eu S/A", segundo livro do australiano Max Barry. Ele já foi professor de marketing e utiliza seus conhecimentos para desencadear a história, contada a partir do ponto de vista de vários personagens.
O livro tornou-se best-seller na Europa, gerou um game on-line ("NationStates") criado também por Barry, movimenta as conversas no site do escritor (www.maxbarry.com) e teve seus direitos comprados por Steven Soderbergh. Por e-mail, Max Barry conversou com a Folha.
 

Folha - Já teve problema por ter utilizado nomes de empresas?
Max Barry -
Nunca. Talvez porque seja claramente uma história ficcional. Não estou, por exemplo, alegando que a Nike tenha como estratégia de marketing atirar em grupos de adolescentes. Ou talvez seja porque eu utilize nomes de empresas grandes, e iria pegar mal para essas corporações processar um escritor satírico. Não sei o motivo, o que sei é que continuo utilizando nomes de empresas em meus livros, e elas continuam não me processando.

Folha - Você escreveu o livro em 2000. De lá para cá, o modo de atuação das corporações mudou?
Barry -
Escrevi "Eu S/A" entre 2000 e 2001. A grande mudança, pelo menos nos EUA, é que, após o 11 de Setembro, o governo adquiriu poderes maiores. No livro há quase uma guerra entre as corporações e o governo, mas o que vemos no mundo hoje é outra coisa: grandes empresas, como a Halliburton, estreitam relações com o governo até um ponto em que não distinguimos onde um termina e o outro começa.

Folha - O livro é ambientado num "futuro próximo". É realmente um "futuro próximo" ou seria um "quase presente"?
Barry -
É mais um "presente alternativo". Queria escrever uma história que fosse ambientada num mundo diferente do nosso -plausível, mas diferente- e não queria perder tempo com os avanços tecnológicos de um livro ambientado no futuro. Então peguei a situação atual e mudei algumas coisas estruturais. Mas os editores preferem o "futuro próximo" porque é um jeito mais fácil de explicar do que "ambientado no presente, mas com algumas diferenças sociais importantes".

Folha - As grandes empresas são muito criticadas hoje por vários setores: ou pelos ambientalistas, ou por pagarem salários muito baixos, ou pelas táticas agressivas de marketing. Você vê nessas corporações um poder de influência maior do que o dos próprios políticos?
Barry -
Há uma grande diferença entre os malefícios causados por corporações e os por políticos. Quando temos corrupção em setores do governo eleitos pelo povo, é porque alguém deliberadamente decidiu agir de forma antiética -abusando do poder que lhe foi concedido. Mas com as empresas, nós basicamente estamos dizendo a elas: "Façam o que for necessário para ganhar o máximo de dinheiro que conseguirem". A ganância corporativa nunca deveria nos surpreender, porque é inerente a esse sistema. O problema com as corporações é que elas são formatadas como instituições puramente capitalistas, mas depois elas passam a se alimentar do lobby político. É uma situação muito ruim quando você tem grandes empresas, cujo objetivo único é aumentar seus lucros, dizendo aos políticos os tipos de lei que as beneficiarão.

Folha - Você estudou e deu aulas de marketing em faculdades. Essas táticas descritas no livro foram aprendidas na escola?
Barry -
Interessei-me por marketing na faculdade, mas utilizei as técnicas aprendidas principalmente em "Syrup". "Eu S/A" é mais o que os marqueteiros fariam se eles não tivessem de se preocupar com leis.

Folha - Muitas vezes você é comparado a Chuck Palahniuk e Naomi Klein, pelos assuntos abordados. Eles são uma referência para você?
Barry -
Adoro os dois, e foi uma surpresa quando começaram a me comparar a Chuck Palahniuk. Gosto de seus livros, mas nunca vi tantas similaridades entre a gente. Ele é como um ícone desse tipo de ficção dark, bruta. Minhas histórias são menos sombrias.

Folha - Seu livro descreve uma sociedade assustadora, mas com bastante comédia. A sátira deixa o mundo menos sombrio?
Barry -
Já ouvi opiniões diversas: alguns dizem que a sátira ajuda as pessoas a se preocuparem mais com o mundo; outros afirmam que uma piada pode fazer com que alguém não dê a devida importância a um problema. O que cada escritor busca é mostrar um pequeno pedaço do mundo, ou uma nova forma de olhar para ele.

Folha - Em "Eu S/A" vemos um mundo privatizado, em que a polícia só atua quando o cidadão a paga, em que pessoas têm sobrenomes de empresas... Você acredita que o capitalismo dos EUA caminha para esse tipo de situação? Você já foi chamado de comunista?
Barry -
Às vezes, mas apenas por pessoas que têm problemas em entender que há outras camadas em política além das extremas-direitas e esquerdas... Acho que o mundo se tornará mais capitalista e que algumas das situações que parecem irreais no livro -como ter de pagar por uma ambulância ou levar o filho para estudar numa escola criada por uma empresa- não demorarão muito para tornarem-se realidade. As corporações acumularam um nível de poder e riqueza tão grandes que é impossível acabar com isso.

Folha - No livro, os personagens têm histórias separadas que se cruzam. Foi difícil essa edição?
Barry -
Num primeiro rascunho, tinha todos esses personagens e situações que não se encaixavam. então reescrevi e reescrevi até que as histórias se intercalassem de maneira que me autorizasse a me descrever como escritor.


Eu S/A
Autor:
Max Barry
Editora: Record
Quanto: R$ 39,90 (352 págs.)


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