São Paulo, quarta-feira, 16 de agosto de 2006

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Produções mornas abrem Gramado

Platéia modesta vê o mexicano "Mezcal" e o brasileiro "Serras da Desordem" no início da 34ª edição do festival de cinema

Filme de Andrea Tonacci conta a história de um índio Carapirú que foge de sua aldeia após massacre e volta para a tribo dez anos depois


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A GRAMADO

O 34º Festival de Gramado começou morno e arrastado, na noite de anteontem. E não sem aviso. "O filme é longo. Tenham um pouco de paciência", disse o diretor Andrea Tonacci, antes da sessão de seu "Serras da Desordem" (135 minutos), que inaugurou a competição de longas brasileiros.
Tonacci fez a advertência a uma platéia modesta, num Palácio dos Festivais de numerosos lugares desocupados, que já havia acompanhado sem entusiasmo a exibição de "Mezcal", do mexicano Ignacio Ortiz Cruz, primeiro concorrente da categoria de longas latinos.
Ortiz comparou seu filme a "Esperando Godot" (Samuel Beckett), com a diferença que, aqui, os expectantes são "um bando de bêbados" no interior do México. Assim como Godot, que nunca vem, nada ocorre em "Mezcal" para salvar os personagens de suas misérias.

Carapirú
Já o título brasileiro "Serras da Desordem" recupera a história do índio errante Carapirú, que passou dez anos vivendo longe de sua aldeia Awá Guajá, de onde fugiu durante um ataque armado de jagunços.
O filme conta a história de Carapirú alternando a reconstituição dos acontecimentos, encenada pelos próprios personagens que os protagonizaram, com trechos documentais. A indeterminação entre os dois registros foi, segundo o diretor, intencional.
Nos primeiros 30 minutos do filme, o espectador de fato não sabe se está diante de um registro documental ou de uma encenação. Vê-se um grupo de índios nus, em serenas atividades cotidianas. Subitamente, começa o ataque -percebe-se que tudo até ali era encenação- e a escapada de Carapirú.
A partir desse ponto, Carapirú irá refazer para a câmera a trajetória que percorreu sozinho, décadas antes.
A alternância entre os registros coloridos e em preto-e-branco é constante no filme, que teve três diferentes fotógrafos, desde a largada do projeto, em 1997. Indiferente à prática comum no documentário de reconstituição histórica, "Serras da Desordem" não precisa as datas e os lugares dos fatos que revê.
Apenas na metade do filme, quando a jornada de Carapirú o leva até Brasília e o diretor lança mão de imagens jornalísticas da época, são mencionados os lugares de onde ele saiu (Maranhão) e onde foi encontrado (Goiás) pelo indigenista Sydney Possuelo, colaborador de Tonacci no projeto e intérprete de si mesmo no filme.
Além de material jornalístico de arquivo, os trechos documentais trazem entrevistas com pessoas que conviveram com o índio durante o seu exílio e depoimentos do próprio Carapirú, porém dados em tupi-guarani, sem tradução.

Choque de realidade
Em contraste com a idílica meia hora inicial, os últimos 30 minutos de "Serras da Desordem" enfocam o cotidiano atualizado da aldeia que Carapirú reencontrou em 1988.
Agora o que se vê são índios vestidos com roupas sujas, adultos cantando "Pense em Mim", crianças manipulando facas e, por fim, a tribo fazendo uma refeição à base de macacos, cujo preparo o filme mostra com riqueza de detalhes, numa seqüência de cenas conveniente a poucos paladares cinematográficos. "Serras da Desordem" insiste na frase "índio é uma outra humanidade" e parece querer mostrar como aos brancos isso é estranho.


A jornalista SILVANA ARANTES viajou a convite da organização do festival

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