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Produções mornas abrem Gramado
Platéia modesta vê o mexicano "Mezcal" e o brasileiro "Serras da Desordem" no início da 34ª edição do festival de cinema
Filme de Andrea Tonacci
conta a história de um índio
Carapirú que foge de sua
aldeia após massacre e volta
para a tribo dez anos depois
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A GRAMADO
O 34º Festival de Gramado
começou morno e arrastado, na
noite de anteontem. E não sem
aviso. "O filme é longo. Tenham
um pouco de paciência", disse o
diretor Andrea Tonacci, antes
da sessão de seu "Serras da Desordem" (135 minutos), que
inaugurou a competição de longas brasileiros.
Tonacci fez a advertência a
uma platéia modesta, num Palácio dos Festivais de numerosos lugares desocupados, que já
havia acompanhado sem entusiasmo a exibição de "Mezcal",
do mexicano Ignacio Ortiz
Cruz, primeiro concorrente da
categoria de longas latinos.
Ortiz comparou seu filme a
"Esperando Godot" (Samuel
Beckett), com a diferença que,
aqui, os expectantes são "um
bando de bêbados" no interior
do México. Assim como Godot,
que nunca vem, nada ocorre em
"Mezcal" para salvar os personagens de suas misérias.
Carapirú
Já o título brasileiro "Serras
da Desordem" recupera a história do índio errante Carapirú,
que passou dez anos vivendo
longe de sua aldeia Awá Guajá,
de onde fugiu durante um ataque armado de jagunços.
O filme conta a história de
Carapirú alternando a reconstituição dos acontecimentos,
encenada pelos próprios personagens que os protagonizaram,
com trechos documentais. A
indeterminação entre os dois
registros foi, segundo o diretor,
intencional.
Nos primeiros 30 minutos do
filme, o espectador de fato não
sabe se está diante de um registro documental ou de uma encenação. Vê-se um grupo de índios nus, em serenas atividades
cotidianas. Subitamente, começa o ataque -percebe-se
que tudo até ali era encenação- e a escapada de Carapirú.
A partir desse ponto, Carapirú
irá refazer para a câmera a trajetória que percorreu sozinho,
décadas antes.
A alternância entre os registros coloridos e em preto-e-branco é constante no filme,
que teve três diferentes fotógrafos, desde a largada do projeto, em 1997.
Indiferente à prática comum
no documentário de reconstituição histórica, "Serras da Desordem" não precisa as datas e
os lugares dos fatos que revê.
Apenas na metade do filme,
quando a jornada de Carapirú o
leva até Brasília e o diretor lança mão de imagens jornalísticas
da época, são mencionados os
lugares de onde ele saiu (Maranhão) e onde foi encontrado
(Goiás) pelo indigenista
Sydney Possuelo, colaborador
de Tonacci no projeto e intérprete de si mesmo no filme.
Além de material jornalístico
de arquivo, os trechos documentais trazem entrevistas
com pessoas que conviveram
com o índio durante o seu exílio
e depoimentos do próprio Carapirú, porém dados em tupi-guarani, sem tradução.
Choque de realidade
Em contraste com a idílica
meia hora inicial, os últimos 30
minutos de "Serras da Desordem" enfocam o cotidiano
atualizado da aldeia que Carapirú reencontrou em 1988.
Agora o que se vê são índios
vestidos com roupas sujas,
adultos cantando "Pense em
Mim", crianças manipulando
facas e, por fim, a tribo fazendo
uma refeição à base de macacos, cujo preparo o filme mostra com riqueza de detalhes,
numa seqüência de cenas conveniente a poucos paladares cinematográficos.
"Serras da Desordem" insiste
na frase "índio é uma outra humanidade" e parece querer
mostrar como aos brancos isso
é estranho.
A jornalista SILVANA ARANTES viajou a convite da organização do festival
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