|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO GABEIRA
A Colômbia cada vez mais perto do Brasil
Numa semana onde tanta coisa
aconteceu -um falso fim do
mundo e um debate entre o ministro da Saúde e a Xuxa- é preciso encontrar um espaço para o
drama colombiano. Razões para
isto não faltam. A violência atinge
proporções gigantescas, os Estados Unidos anunciam exercícios
militares na região, e a vulnerabilidade de nossa fronteira transforma tudo isto num problema interno do Brasil.
A violência colombiana pode
ser expressa em números: 76 homicídios por 100 mil habitantes,
sendo que, somente na região de
Medellin, esse índice sobe para
240 por 100 mil. Um relatório de
deputados brasileiros apresenta
uma análise comparativa desses
números: nosso país, que é considerado um dos mais violentos do
mundo, registra 25 homicídios
por 100 mil pessoas.
Também no campo dos massacres, a Colômbia apresenta números recordes: em 1988, foram 202
casos, com mais de quatro mortos
em cada um. Mais de 300 pessoas
desapareceram em sequestros
num só ano, e desses sequestros
não escaparam nem senadores,
como é o caso de Piedad Cordoba,
presidente da Comissão Humanos do Senado.
Os atores dessa tragédia: 68 grupos paramilitares de direita, 39
núcleos guerrilheiros de esquerda,
traficantes de droga e exterminadores que liquidam meninos de
rua, mendigos, homossexuais,
usuários e pequenos vendedores
de maconha e cocaína.
Como os norte-americanos estão de olho e discutem abertamente uma intervenção militar,
devíamos ficar de olho, também
no Brasil, e, se possível, ir mais
longe e formular uma política
que, de uma certa forma, possa favorecer a emergência da paz social na Colômbia.
Além da estabilidade do continente, está em jogo também a
Amazônia brasileira. Temos uma
fronteira com uma extensão que
cobre várias vezes a Rio-São Paulo e não dispomos de mais de 150
homens para guarnecê-la.
Os pepinos vão e vêm. Guerrilheiros entram e saem, o exército
colombiano entra e sai, no mesmo
ritmo, e, às vezes, o próprio ouro
garimpado no Brasil é confiscado
e serve de combustível para a luta
armada.
Claro que, se os norte-americanos entram, vão tentar fincar um
pé na Amazônia e, por melhores
que sejam suas intenções ecológicas, vão se tornar uma força de
peso na definição do futuro da floresta, algo que deveria ser feito soberanamente pelo Brasil.
Isto pode parecer um pouco de
paranóia. Mas uma ponta de paranóia é vital na definição de nossa estratégia. É preciso esquecer o
passado que nos dividiu e buscar
um acordo com as Forças Armadas. Elas devem ser fortalecidas
na área não apenas com o projeto
Sivam, que nos custou US$ 1,4 bilhão. O projeto apenas vai nos dizer como estão as coisas aqui embaixo, usando para esse monitoramento satélites, radares, aviões
e dados on line.
O que adianta constatar que as
coisas não vão bem aqui embaixo? Apenas vai aumentar nossa
angústia. É necessário investir seriamente no chão, onde realmente se decidem as coisas. Mas trata-se de um pacto: apoio substancial
em troca de um compromisso para que os militares contribuam
com a promoção social dos povos
da floresta e com a proteção do
meio ambiente, enfim, um pacto
pelo desenvolvimento sustentável.
Isso é uma proposta mínima. A
importância continental do Brasil
implica numa ação diplomática
de envergadura. O que Fernando
Henrique está pensando sobre o
assunto, o que dizem os norte-americanos nas conversas de bastidores? Não seria o momento de
firmar uma posição nacional por
uma saída política, sem a presença de tropas estrangeiras?
Compreendo que brigar com a
Xuxa dá grandes matérias, e a
Colômbia nos reservaria um modesto pé de página. Mas se integramos na nossa análise um certo
potencial de instabilidade na Venezuela, vemos que há uma certa
urgência, e é hora de aposentar as
piruetas diante da mídia.
Em Roraima, tive a oportunidade de discutir longamente com deputados venezuelanos. Formamos uma espécie de frente parlamentar para acompanhar os problemas da Amazônia.
É necessário atrair para essa
frente os colombianos e todos os
países da região. As coisas estão
escapando do controle, problemas
que pareciam apenas crônicos
são, na verdade, explosivos.
Os simples e, segundo eles, despretensiosos exercícios militares
norte-americanos na Colômbia,
assim como as sucessivas delegações políticas, poderiam ser uma
espécie de sinal amarelo para todos nós.
Resta saber se Fernando Henrique e seu governo vislumbram essa possibilidade do Brasil se envolver a fundo numa saída para a
crise ou se a timidez diante dos
EUA acabará contribuindo passivamente para um extemporâneo
Vietnã na Colômbia. E como cenário estratégico, a aterrissagem
do norte no coração de nossas florestas tropicais.
Texto Anterior: Televisão: "Barraco" discute mudanças na própria MTV Próximo Texto: Filme português surpreende e vence o Festival de Gramado Índice
|