São Paulo, Segunda-feira, 16 de Agosto de 1999
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FERNANDO GABEIRA
A Colômbia cada vez mais perto do Brasil

Numa semana onde tanta coisa aconteceu -um falso fim do mundo e um debate entre o ministro da Saúde e a Xuxa- é preciso encontrar um espaço para o drama colombiano. Razões para isto não faltam. A violência atinge proporções gigantescas, os Estados Unidos anunciam exercícios militares na região, e a vulnerabilidade de nossa fronteira transforma tudo isto num problema interno do Brasil.
A violência colombiana pode ser expressa em números: 76 homicídios por 100 mil habitantes, sendo que, somente na região de Medellin, esse índice sobe para 240 por 100 mil. Um relatório de deputados brasileiros apresenta uma análise comparativa desses números: nosso país, que é considerado um dos mais violentos do mundo, registra 25 homicídios por 100 mil pessoas.
Também no campo dos massacres, a Colômbia apresenta números recordes: em 1988, foram 202 casos, com mais de quatro mortos em cada um. Mais de 300 pessoas desapareceram em sequestros num só ano, e desses sequestros não escaparam nem senadores, como é o caso de Piedad Cordoba, presidente da Comissão Humanos do Senado.
Os atores dessa tragédia: 68 grupos paramilitares de direita, 39 núcleos guerrilheiros de esquerda, traficantes de droga e exterminadores que liquidam meninos de rua, mendigos, homossexuais, usuários e pequenos vendedores de maconha e cocaína.
Como os norte-americanos estão de olho e discutem abertamente uma intervenção militar, devíamos ficar de olho, também no Brasil, e, se possível, ir mais longe e formular uma política que, de uma certa forma, possa favorecer a emergência da paz social na Colômbia.
Além da estabilidade do continente, está em jogo também a Amazônia brasileira. Temos uma fronteira com uma extensão que cobre várias vezes a Rio-São Paulo e não dispomos de mais de 150 homens para guarnecê-la.
Os pepinos vão e vêm. Guerrilheiros entram e saem, o exército colombiano entra e sai, no mesmo ritmo, e, às vezes, o próprio ouro garimpado no Brasil é confiscado e serve de combustível para a luta armada.
Claro que, se os norte-americanos entram, vão tentar fincar um pé na Amazônia e, por melhores que sejam suas intenções ecológicas, vão se tornar uma força de peso na definição do futuro da floresta, algo que deveria ser feito soberanamente pelo Brasil.
Isto pode parecer um pouco de paranóia. Mas uma ponta de paranóia é vital na definição de nossa estratégia. É preciso esquecer o passado que nos dividiu e buscar um acordo com as Forças Armadas. Elas devem ser fortalecidas na área não apenas com o projeto Sivam, que nos custou US$ 1,4 bilhão. O projeto apenas vai nos dizer como estão as coisas aqui embaixo, usando para esse monitoramento satélites, radares, aviões e dados on line.
O que adianta constatar que as coisas não vão bem aqui embaixo? Apenas vai aumentar nossa angústia. É necessário investir seriamente no chão, onde realmente se decidem as coisas. Mas trata-se de um pacto: apoio substancial em troca de um compromisso para que os militares contribuam com a promoção social dos povos da floresta e com a proteção do meio ambiente, enfim, um pacto pelo desenvolvimento sustentável.
Isso é uma proposta mínima. A importância continental do Brasil implica numa ação diplomática de envergadura. O que Fernando Henrique está pensando sobre o assunto, o que dizem os norte-americanos nas conversas de bastidores? Não seria o momento de firmar uma posição nacional por uma saída política, sem a presença de tropas estrangeiras?
Compreendo que brigar com a Xuxa dá grandes matérias, e a Colômbia nos reservaria um modesto pé de página. Mas se integramos na nossa análise um certo potencial de instabilidade na Venezuela, vemos que há uma certa urgência, e é hora de aposentar as piruetas diante da mídia.
Em Roraima, tive a oportunidade de discutir longamente com deputados venezuelanos. Formamos uma espécie de frente parlamentar para acompanhar os problemas da Amazônia.
É necessário atrair para essa frente os colombianos e todos os países da região. As coisas estão escapando do controle, problemas que pareciam apenas crônicos são, na verdade, explosivos.
Os simples e, segundo eles, despretensiosos exercícios militares norte-americanos na Colômbia, assim como as sucessivas delegações políticas, poderiam ser uma espécie de sinal amarelo para todos nós.
Resta saber se Fernando Henrique e seu governo vislumbram essa possibilidade do Brasil se envolver a fundo numa saída para a crise ou se a timidez diante dos EUA acabará contribuindo passivamente para um extemporâneo Vietnã na Colômbia. E como cenário estratégico, a aterrissagem do norte no coração de nossas florestas tropicais.


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