São Paulo, terça, 16 de setembro de 1997.



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ARTES PLÁSTICAS
Wim Delvoye dá novo valor à imagem

Reprodução/ Folha Images
'Mike, Dinner Is in the Oven, Jill', obra em jato de tinta sobre tela feita a partir de fotografia retrabalhada, presente na mostra


CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

Montanhas com recados gigantes fixados, porcos que passeiam com suas belas e extravagantes tatuagens, azulejos com arabescos criados a partir de uma mesma imagem de merda, vulneráveis redes de futebol em vidro.
É essa combinação insólita e bizarra de elementos que rege o trabalho do artista belga Wim Delvoye, que inaugura hoje sua primeira exposição no país, na galeria Luisa Strina.
Pretende que as imagens readquiram suas forças, perdidas com a superexposição pela mídia. Quer ainda que a arte seja mais comunicativa, como explicou em entrevista à Folha.

Folha - Existe sempre uma certa ironia em suas obras. O que você quer provocar no seu espectador?
Wim Delvoye -
A ironia é uma forma de se dizer a verdade, mas com mais liberdade. É a única arma que pode ser usada por alguém que não está em uma situação de poder, que não tem esse poder. É o contrário do cinismo, que é um discurso usado de cima para baixo, por quem detém o poder. O cinismo de hoje difere do cinismo do filósofo grego Diógenes, o "kynismós", que também era um discurso de baixo para cima.
Folha - Por que você usa imagens clichês ou pelo menos reconhecíveis? É uma estratégia para tornar seu trabalho mais popular?
Delvoye -
Quando inicio um trabalho, não penso se ele vai ser arte ou não. Penso apenas em fazê-lo bem. Se eu me questionar antes, serei menos livre, pois adquirirei todos os cânones e clichês daquilo que seja arte.
Também penso na competição da arte com outros tipos de linguagens. Para sobreviver, a arte precisa se comunicar e, por isso, minha arte deve funcionar fora do contexto criado pelas paredes brancas de um museu.
Meus objetos podem se comunicar com as pessoas mesmo depois de voltar para o contexto original de onde saíram. Elas continuam igualmente estranhas, mesmo fora da proteção do museu.
Folha - As situações bizarras criadas pela reunião de elementos díspares tornam os trabalhos mais populares?
Delvoye -
Cada peça minha busca algum tipo de reflexão no espectador. Na peça "Mosaico" (utilizada como fundo desta página), por exemplo, existe um contraste entre a merda, que é o caos, com a limpeza do azulejo. Um grande investimento de tempo da humanidade é feito com a higiene. Já a merda mostra que somos basicamente iguais, que não existem diferenças de cor, sexo, religião... "Mosaico" é um tapete oriental, que pode nos representar.
A combinação de duas coisas em oposição acaba sendo formalmente lógica, como uma rede de futebol construída com vitrais. Ambos não perderam suas características originais, sua integridade. São casamentos perfeitos. O vitral ficou ainda mais frágil depois de inserido no contexto futebolístico. Lembramos mais da fragilidade do vidro e da violência do futebol.
Folha - Seus trabalhos sempre lidam com oposições: cultura e natureza, o bom e o mau gosto, o público e o privado, o frágil e o violento. Por que esse tipo de dicotomia lhe interessa?
Delvoye -
A publicidade usa essas estratégias diariamente, como a Coca-Cola, que coloca esquimós no Saara. Trabalho com as teses de Heráclito, que definiu o mundo a partir da luta entre oposições, e de Hegel, com sua "tese e a antítese". É preciso o calor para compreender o frio, o vermelho para ver o verde, ter fome para saber o valor da comida.
Procuro símbolos que tenham uma conotação forte antes de incorporá-los: rede de futebol, porcos, tatuagens... Com o atual bombardeamento de imagens pela mídia, nos tornamos imunes a elas. É preciso procurar imagens fortes para que elas voltem a funcionar.
Folha - Existe uma cultura belga em seus trabalhos? A escatologia faz parte dela?
Delvoye -
Não tenho consciência disso, mas é interessante notar que o símbolo de Paris é a torre Eiffel, o de Nova York é a estátua da Liberdade, o do Rio é o Cristo Redentor. Já o de Bruxelas é uma escultura de menos de 50 cm que fica escondida em uma esquina e que mostra um menino que mija.
Procuro trabalhar com elementos que representem formas de democracia, como a merda. Mesmo o porco, ele nunca foi considerado o rei dos animais...
Folha - Ao recontextualizar elementos do cotidiano e imagens, você se sente mais próximo da arte pop de Andy Warhol ou do dadaísmo de Marcel Duchamp?
Delvoye -
Vejo o desenvolvimento da história da arte como um pêndulo. A arte pop e o dadaísmo são dois pontos de um mesmo movimento. A arte pop é mais naif, mas eu prefiro o dadaísmo, que é mais europeu, mas não utilizo o conceito de "ready-made".
Quando utilizo um objeto, a obra de arte não está pronta. Eu preciso sempre trabalhar em cima dele e de uma maneira artesanal para que se torne arte. O "ready-made" era totalmente contrário à idéia de artesanato. Atacava, por exemplo, a pintura, que, justamente por suas conotações artesanais, de ser feita com a mão, foi atacada em vários momentos do século 20.

Mostra: Wim Delvoye (jato de tinta sobre tela e objetos) Onde: galeria Luisa Strina (r. Padre João Manuel, 974A, Jardins, tel. 011/280-2471) Vernissage: hoje, às 19h Quando: de segunda a sexta, das 10h às 20h; sábado, das 10h às 14h. Até 11 de outubro


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