São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2000

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ARTES PLÁSTICAS
Mostra em galeria em SP abre hoje com trabalhos em ferro e desenhos sobre tela do artista mineiro
Amilcar de Castro esculpe a "alegria danada de boa"

Anna Karina Bartolomeu/Folha Imagem
Amilcar de Castro, 80, no terreno de seu ateliê novo, em Nova Lima, perto de Belo Horizonte


CRISTINA RAMALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tão clássico quanto goiabada com queijo-de-minas, Amilcar de Castro não mudou quase nada em 80 anos de animada existência, completados no dia 8 de junho. Continua com o sotaque carregadíssimo de Paraisópolis, MG, a desconfiança em relação ao governo e a ironia afiada. Com aquele ar maroto de quem foi namoradeiro na juventude e observador das reações humanas.
E, claro, nunca deixou de ser o brilhante escultor de peças de ferro, sempre naquele tom meio terroso de Minas e que merecem prêmios e muitos paparicos.
"Não tive fases, minha escultura é sempre muito coerente. E criar me dá uma alegria danada de boa", diz ele, sorridente, na galeria Thomas Cohn, onde apresenta, a partir de hoje, uma espécie de síntese dos seus 50 anos de esculturas e desenhos sobre tela. Lá estão as peças de ferro que se encaixam como dobraduras, com ângulos retos e pesadas à beça. E que têm inacreditável leveza.
Amilcar acha graça quando tentam relacionar sua obra a ideologias políticas. É simples, não tem medo de dizer o que pensa. "Nunca votei no FHC, ele não presta atenção em pobre. Sou PT de cabo a rabo." Sobre o mineiro que incomoda o presidente, Itamar Franco, Amilcar não faz reclamações. "Não acho justo o FHC mandar o Exército na fazenda dos filhos, mas não entendo disso." Diz que o governador "é meio destemperado, mas está bom".
Amilcar não é engajado. Só resolveu ser escultor, conta, porque não tinha talento para advogado, embora tenha arriscado um ano trabalhando com direito. Na faculdade, se sentava ao lado de Otto Lara Resende, com quem batia papos sobre as garotas mais sinuosas de Minas. Soube de um curso de artes criado pelo pintor Guignard e foi conferir o que era.
Com Guignard, ele perdia a linha britânica de tanto "enxugar" umas e outras nos botecos. "A gente bebeu de Ouro Preto a Sabará." Guignard tinha o lábio leporino e se atrapalhava para apanhar mulheres. Amilcar, pé-de-valsa, saía dançando com elas.
Era um Brasil dourado, o dos anos JK. Um Brasil onde Di Cavalcanti pendurava a conta no bar mais bacana de Belo Horizonte e sobrava para Amilcar pagar. "O Di era lambão, fez um painel horrível no fórum de lá e me chamou para pintar. Não fui, não."
Embora a vida mineira fosse boa, logo depois a vida real, com mulher e filhos, pediu mais juízo. Amilcar entendeu os apitos do destino e se mandou para o Rio, onde foi viver como diagramador na "Manchete" e no "Jornal do Brasil". Criava páginas precisas como esculturas, obedecendo à matemática renascentista.
Nas horas vagas, inventava peças de ferro e participava do movimento neoconcretista, que ele considera o mais importante do Brasil. "Muito melhor do que a Semana de Arte Moderna."
Dez anos mais tarde, venceu o Prêmio Guggenheim, acabou em Nova York com a família e uma bolada de dinheiro para a época: US$ 25 mil, torrados em três anos.
Na volta, em 1971, precisou explicar aos militares por que, 20 anos antes, havia criado cartazes com meninos pedindo esmolas. "Respondi a um inquérito e ainda me acusaram de raspar as respostas comprometedoras."
Só que Amilcar nunca foi de disfarces. Esse sujeito que aprendeu a desenhar com lápis duro, que faz sulcos no papel e deixa todos os erros à mostra não precisa se esconder. É hoje o maior escultor brasileiro, mas continua com o mesmo jeitinho mineiro, o orgulho do casamento de quase 50 anos, três filhos e cinco netos.
Continua simples e profundo, leitor de Schopenhauer e Merleau-Ponty e capaz de dizer delícias sem nenhum deslumbramento. "Fui para Portugal, uma droga, fiquei 14 horas num avião. Achei tudo caipira. Se era para ir para Juiz de Fora, ia de ônibus."


Exposição: Amilcar de Castro Quando: de seg. a sex.: 11h/19h. Sáb.: 11h/14h. Até 14/10 Onde: Thomas Cohn (av. Europa, 641, Jardim Europa, tel. 0/xx/11/883-3355) Quanto: entrada franca

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