São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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LITERATURA


O filósofo francês Edgar Morin faz palestra em SP e analisa o pensamento no início do século 21

Destinos do futuro

Antônio Gaudério - 7.mai.1998/Folha Imagem
O sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, 81, que lançou no fim do ano passado o último volume de seu "O Método" e enxerga risco de desordem mundial


MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O sociólogo e filósofo Edgar Morin, que fala hoje em São Paulo em evento promovido pela Faculdade Cásper Líbero e pela Folha (leia texto ao lado), é, em uma definição tão francesa, tão cara ao seu país, um "pensador". Sob o conceito está uma trajetória intelectual de mais de meio século, resumida em 27 livros e -o que mais o caracteriza- uma influência decisiva na produção de educadores, cientistas sociais ou historiadores na Europa, América Latina, Estados Unidos ou Ásia.
Hoje, aos 81 anos, Morin recusa uma pausa tanto em sua produção quanto no que pode ser definido como um verdadeiro engajamento na reeducação do homem. No final do último ano, publicou na França o quinto e aguardado último volume de "O Método", obra que serviu para apresentar aos leitores alguns conceitos essenciais para que se pudesse compreender suas proposições. Entre eles, a "transdisciplinaridade", em que defende a necessidade do diálogo entre os saberes.
Pouco antes de deixar Paris, Edgar Morin concedeu por telefone a entrevista abaixo, na qual fala sobre o atual momento e como, de alguma maneira, na história, o improvável sempre pode acontecer, deixando uma nova chance para o futuro. Leia trechos.

Folha - No instante histórico vivido hoje podemos falar do fim das ideologias, algo tão repetido desde a derrocada da União Soviética, no fim dos anos 80 do século passado?
Edgar Morin -
Não, não tenho essa crença. Jamais me coloquei nessa posição. Isso é uma ilusão, não penso ser possível falarmos do fim das ideologias. Houve o fim da ideologia sustentada pelo comunismo soviético, e depois surge a ideologia do liberalismo econômico. Essa ideologia está agora morrendo, e outras surgirão para tomarem seu lugar.

Folha - E de que maneira o senhor vê o atual momento geopolítico, no qual uma parcela dos intelectuais defende estar ocorrendo uma crise entre o Oriente e o Ocidente, após os atentados contra os EUA, em 11/9 do último ano?
Morin -
Há uma crise de relação entre as nações, entre os continentes, entre as culturas. Uma crise em escala planetária e, por essa razão, há o temor do que acreditamos ser uma "guerra de civilização". Isso, ao meu ver, é um perigo, apesar de não ser uma certeza. Talvez não seja o que esteja realmente ocorrendo. O que existe, e esse é um enorme problema, é o risco do surgimento de uma desorganização de ordem mundial.

Folha - Estamos já, politicamente, no século 21?
Morin -
Não é porque fazemos uma alteração decimal que decidimos ou passamos por uma mudança. A idéia de século, essa contagem, é algo extremamente cômodo, mas que não possuiu correspondência na nossa realidade. Se tivermos que trabalhar com essas noções, seremos obrigados a dizer que o século 20 terminou em 1989. Mas isso não significa ter o século 21 já começado. Estamos ainda em um buraco, presos entre o que passou e o que virá.

Folha - Podemos estar otimistas com o que o novo tempo nos trará?
Morin -
Não há otimismo nem pessimismo. Penso que caminhamos para prováveis catástrofes, mas pode ser que o improvável aconteça, como já foi muitas vezes o caso na história.

Folha - Mas já há índices sobre o novo século que se forma. Entre eles, a primazia das ciências exatas e biológicas, e uma certa perda de influência das ciências humanas.
Morin -
A concepção "cientificista" que defendem alguns não leva em conta uma evolução que ocorreu dentro das ciências humanas, com a aparição da palavra ecologia. Porém, a ecologia é uma ciência que toma conhecimentos de diferentes domínios. Isso é um bom exemplo, porque a ecologia não se parece em nada com a ciência em seu sentido clássico, formada no século 19. Se um cientista comete erros, facilidades, isso ocorre porque ele não está à altura do objeto de análise. E isso não tem a ver com sua área.


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