|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA
O filósofo francês Edgar Morin faz palestra em SP e analisa o pensamento no início do século 21
|
Destinos do futuro
Antônio Gaudério - 7.mai.1998/Folha Imagem | |
O sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, 81, que lançou no fim do ano passado o último volume de seu "O Método" e enxerga risco de desordem mundial |
MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL
O sociólogo e filósofo Edgar
Morin, que fala hoje em São Paulo
em evento promovido pela Faculdade Cásper Líbero e pela Folha
(leia texto ao lado), é, em uma definição tão francesa, tão cara ao
seu país, um "pensador". Sob o
conceito está uma trajetória intelectual de mais de meio século, resumida em 27 livros e -o que
mais o caracteriza- uma influência decisiva na produção de
educadores, cientistas sociais ou
historiadores na Europa, América
Latina, Estados Unidos ou Ásia.
Hoje, aos 81 anos, Morin recusa
uma pausa tanto em sua produção quanto no que pode ser definido como um verdadeiro engajamento na reeducação do homem. No final do último ano, publicou na França o quinto e aguardado último volume de "O Método", obra que serviu para apresentar aos leitores alguns conceitos essenciais para que se pudesse
compreender suas proposições.
Entre eles, a "transdisciplinaridade", em que defende a necessidade do diálogo entre os saberes.
Pouco antes de deixar Paris, Edgar Morin concedeu por telefone
a entrevista abaixo, na qual fala
sobre o atual momento e como,
de alguma maneira, na história, o
improvável sempre pode acontecer, deixando uma nova chance
para o futuro. Leia trechos.
Folha - No instante histórico vivido hoje podemos falar do fim das
ideologias, algo tão repetido desde
a derrocada da União Soviética, no
fim dos anos 80 do século passado?
Edgar Morin - Não, não tenho essa crença. Jamais me coloquei
nessa posição. Isso é uma ilusão,
não penso ser possível falarmos
do fim das ideologias. Houve o
fim da ideologia sustentada pelo
comunismo soviético, e depois
surge a ideologia do liberalismo
econômico. Essa ideologia está
agora morrendo, e outras surgirão para tomarem seu lugar.
Folha - E de que maneira o senhor
vê o atual momento geopolítico,
no qual uma parcela dos intelectuais defende estar ocorrendo uma
crise entre o Oriente e o Ocidente,
após os atentados contra os EUA,
em 11/9 do último ano?
Morin - Há uma crise de relação
entre as nações, entre os continentes, entre as culturas. Uma crise em escala planetária e, por essa
razão, há o temor do que acreditamos ser uma "guerra de civilização". Isso, ao meu ver, é um perigo, apesar de não ser uma certeza.
Talvez não seja o que esteja realmente ocorrendo. O que existe, e
esse é um enorme problema, é o
risco do surgimento de uma desorganização de ordem mundial.
Folha - Estamos já, politicamente, no século 21?
Morin - Não é porque fazemos
uma alteração decimal que decidimos ou passamos por uma mudança. A idéia de século, essa contagem, é algo extremamente cômodo, mas que não possuiu correspondência na nossa realidade.
Se tivermos que trabalhar com essas noções, seremos obrigados a
dizer que o século 20 terminou
em 1989. Mas isso não significa ter
o século 21 já começado. Estamos
ainda em um buraco, presos entre
o que passou e o que virá.
Folha - Podemos estar otimistas
com o que o novo tempo nos trará?
Morin - Não há otimismo nem
pessimismo. Penso que caminhamos para prováveis catástrofes,
mas pode ser que o improvável
aconteça, como já foi muitas vezes
o caso na história.
Folha - Mas já há índices sobre o
novo século que se forma. Entre
eles, a primazia das ciências exatas
e biológicas, e uma certa perda de
influência das ciências humanas.
Morin - A concepção "cientificista" que defendem alguns não leva
em conta uma evolução que ocorreu dentro das ciências humanas,
com a aparição da palavra ecologia. Porém, a ecologia é uma ciência que toma conhecimentos de
diferentes domínios. Isso é um
bom exemplo, porque a ecologia
não se parece em nada com a
ciência em seu sentido clássico,
formada no século 19. Se um cientista comete erros, facilidades, isso ocorre porque ele não está à altura do objeto de análise. E isso
não tem a ver com sua área.
Texto Anterior: Barbara Gancia: Record adota cabresto invisível Próximo Texto: Seminário reúne sociólogos franceses hoje Índice
|