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ENTREVISTA EXCLUSIVA
"Ainda vivemos uma época de preconceito"
Yoko Ono afirma se sentir discriminada por ser mulher, asiática e artista
e por ter sido casada com Lennon; ela comenta ainda as polêmicas que
suas criações causam e o dia em que Sean descobriu ser filho de um beatle
DO ENVIADO A NOVA YORK
Leia os principais trechos da
entrevista exclusiva que Yoko
Ono deu à Folha, na cozinha de
seu apartamento no Dakota
Building, em NY.
(SÉRGIO DÁVILA)
FOLHA - O que é exatamente uma
"torre de paz"?
YOKO ONO - É o oposto de torre
de guerra! (risos) Podemos fazer do mundo um lugar pacífico, e conseguiremos, se tentarmos. Vai acontecer, porque há
muitas pessoas pensando nisso
e querendo isso. Por outro lado,
nós também podemos explodir
o planeta, mas não acho que seja algo que alguém realmente
queira. A não ser os malucos.
FOLHA - Você é conhecida por fazer
uma arte provocativa. Que reação
espera das pessoas quando cria?
YOKO - Não tento provocar nada. Tento ser eu mesma. E, apenas por ser quem sou, parece
que é criado um incrível, não
sei, um tipo de cisma... Não, não
quero dizer cisma. Parece que é
criado um tipo de agitação. Porque sou mulher, asiática e artista. Três coisas ainda consideradas não-apropriadas por algumas pessoas.
FOLHA - Você pensa nessa reação
ao criar?
YOKO - Não, estou apenas sendo eu mesma. Por exemplo, fiz
uma exposição na Bienal de
Liverpool, "My Mummie is
Beautiful" ["minha mãe é linda", de 2004, em que mostrava
fotos de seios e genitais de mulheres]. Eu a via como minha
carta de amor a Liverpool. E
(irônica), ó, que surpresa, muita gente não gostou! Isso ainda
me surpreende. Provavelmente a sensação seria melhor se
todos gostassem.
FOLHA - Já que estamos no assunto, você realmente comeu um corgi
[cachorro da raça dos da rainha da
Inglaterra], em Londres, como protesto contra o tratamento que o marido dela dá às raposas?
YOKO - Não vou negar que há
quem coma cachorro. Em certos países asiáticos, é uma coisa
normal. Mas não era uma tradição no meu país e eu nunca tive
essa experiência. As pessoas
que disseram isso estavam tentando usar meu nome para ter
mais publicidade. Desejo boa
sorte a eles. Mas eu nunca comi
aquele cachorro. Por sorte, naquele dia eu estava em Moscou.
FOLHA - Você comeria o Barney, o
cão de Bush?
YOKO - (Risos) Deixe que ele
mesmo faça isso, não eu.
FOLHA - Lennon disse uma vez que
você era a artista desconhecida mais
famosa do mundo: todo mundo sabia seu nome, mas ninguém sabia o
que você fazia. Isso ainda vale?
YOKO - Sim, de um jeito muito
estranho. De certa maneira, naquela época era uma autoproteção eu não ser tão visível. Afinal, eu estava ao lado de John. E
muitas pessoas diziam: "Como
ela ousa ficar ao lado dele?".
Tudo o que eu fazia era considerado controverso. Mas não
deveria ser. O que eu quero dizer é: vai chegar o dia em que
será normal ser uma asiática,
uma mulher e uma artista ao
mesmo tempo e ainda assim estar com seu marido, ao lado de
um cara também artista.
FOLHA - Você acha mesmo que sofre preconceito por ser mulher e
asiática?
YOKO - Sim, ainda vivemos
nesse tempo. Mas, agora, eles
pensam que é politicamente incorreto ter essas emoções (risos). Então, as engolem. Mas
ainda as têm! O fato de que todos nós fizemos algo ajudou, é
claro, especialmente as mulheres. Muitas vêm a mim e dizem
"obrigado por ter feito algo pelas mulheres".
FOLHA - Os anos com Lennon ainda
a inspiram?
YOKO - Não se pode dizer necessariamente que ele seja minha inspiração. Isso porque, se
eu fosse um cara, um artista homem, e dissesse "minha mulher é minha inspiração", todos
diriam, "ah, ok". Mas, se uma
mulher diz "meu marido é minha inspiração" tem uma conotação diferente. Eu não estou
negando o fato de que ele estava por aqui enquanto eu criava,
mas nós inspirávamos um ao
outro. E agora...
O que me inspira são as coisas que nós fizemos juntos e as
coisas que fiz sozinha, antes de
conhecê-lo. Tudo o que fiz em
74 anos, na verdade.
FOLHA - Seu filho Sean vai com você ao Brasil?
YOKO - Não creio. Nesse momento estamos tendo vidas
muito independentes.
FOLHA - Lennon e você o influenciaram como artista?
YOKO - Não sei, acho que não.
Ele tem seu próprio talento e
toma suas decisões artísticas, e
eu respeito isso. Espero que ele
não sinta algo como "meu pai,
minha mãe eram tão grandes,
então eu sou apenas produto da
influência deles".
FOLHA - Vocês tomavam cuidado
como pais para que ele não sentisse
o peso de ser filho de quem era?
YOKO - Sim, bastante. John e
eu nunca falamos com ele sobre
nosso trabalho. Sean ouviu de
alguém que seu pai tinha sido
um beatle. Então ele correu
nessa mesma cozinha, o pai dele estava sentando aqui nessa
cadeira, e ele perguntou: "Papai, papai, você é um beatle?". E
John disse (ela tenta imitar a
voz dele): "Ah, talvez eu tenha
sido, não sei..." (risos).
FOLHA - E o inverso, acontece? Ele
não lhe mostra o que está criando?
YOKO - É verdade, ele não me
deixa saber o que está fazendo
antes de estar pronto. Desde
pequeno é assim. Mas veja que
curioso: percebi que desde pequeno ele conhece todas as músicas dos Beatles, todas as músicas de John Lennon, de Yoko
Ono. Porque ele é um músico,
então não é só conhecer as músicas, mas cada batida, cada
harmonia. Não sei como descobriu isso sozinho.
FOLHA - E o que você ouve?
YOKO - Basicamente, a música
que está em minha cabeça.
FOLHA - Há sempre uma, como um
mantra?
YOKO - (Risos) Não necessariamente, às vezes é uma música
nova. Pode-se chamar de mantra, mas há sempre uma melodia, não melodia, um ritmo.
FOLHA - Algo brasileiro?
YOKO - Não. Mas sei que serei
bastante exposta à música brasileira quando for a SP. Nunca
estive lá. Fui ao Rio e a Brasília.
As pessoas me diziam: "Não vá
a Brasília, é entediante". Não
achei, de maneira nenhuma.
Adorei a arquitetura e tudo
aquilo, achei maravilhoso.
FOLHA - Você já pensou em deixar
esse apartamento?
YOKO - Não, é muito precioso
para mim, é o último lugar em
que eu e John construímos um
lar. E Sean nasceu enquanto estávamos aqui. Esse é o único lar
que ele tem referência dos pais
juntos. Gosto de mantê-lo como está e também acho que é
uma bênção que eu o tenha.
b>NA INTERNET - Leia íntegra da entrevista na Folha Online
www.folha.com.br/072561
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