São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2007

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ENTREVISTA EXCLUSIVA

"Ainda vivemos uma época de preconceito"

Yoko Ono afirma se sentir discriminada por ser mulher, asiática e artista e por ter sido casada com Lennon; ela comenta ainda as polêmicas que suas criações causam e o dia em que Sean descobriu ser filho de um beatle

DO ENVIADO A NOVA YORK

Leia os principais trechos da entrevista exclusiva que Yoko Ono deu à Folha, na cozinha de seu apartamento no Dakota Building, em NY. (SÉRGIO DÁVILA)

 

FOLHA - O que é exatamente uma "torre de paz"?
YOKO ONO
- É o oposto de torre de guerra! (risos) Podemos fazer do mundo um lugar pacífico, e conseguiremos, se tentarmos. Vai acontecer, porque há muitas pessoas pensando nisso e querendo isso. Por outro lado, nós também podemos explodir o planeta, mas não acho que seja algo que alguém realmente queira. A não ser os malucos.

FOLHA - Você é conhecida por fazer uma arte provocativa. Que reação espera das pessoas quando cria?
YOKO
- Não tento provocar nada. Tento ser eu mesma. E, apenas por ser quem sou, parece que é criado um incrível, não sei, um tipo de cisma... Não, não quero dizer cisma. Parece que é criado um tipo de agitação. Porque sou mulher, asiática e artista. Três coisas ainda consideradas não-apropriadas por algumas pessoas.

FOLHA - Você pensa nessa reação ao criar?
YOKO
- Não, estou apenas sendo eu mesma. Por exemplo, fiz uma exposição na Bienal de Liverpool, "My Mummie is Beautiful" ["minha mãe é linda", de 2004, em que mostrava fotos de seios e genitais de mulheres]. Eu a via como minha carta de amor a Liverpool. E (irônica), ó, que surpresa, muita gente não gostou! Isso ainda me surpreende. Provavelmente a sensação seria melhor se todos gostassem.

FOLHA - Já que estamos no assunto, você realmente comeu um corgi [cachorro da raça dos da rainha da Inglaterra], em Londres, como protesto contra o tratamento que o marido dela dá às raposas?
YOKO
- Não vou negar que há quem coma cachorro. Em certos países asiáticos, é uma coisa normal. Mas não era uma tradição no meu país e eu nunca tive essa experiência. As pessoas que disseram isso estavam tentando usar meu nome para ter mais publicidade. Desejo boa sorte a eles. Mas eu nunca comi aquele cachorro. Por sorte, naquele dia eu estava em Moscou.

FOLHA - Você comeria o Barney, o cão de Bush?
YOKO
- (Risos) Deixe que ele mesmo faça isso, não eu.

FOLHA - Lennon disse uma vez que você era a artista desconhecida mais famosa do mundo: todo mundo sabia seu nome, mas ninguém sabia o que você fazia. Isso ainda vale?
YOKO
- Sim, de um jeito muito estranho. De certa maneira, naquela época era uma autoproteção eu não ser tão visível. Afinal, eu estava ao lado de John. E muitas pessoas diziam: "Como ela ousa ficar ao lado dele?". Tudo o que eu fazia era considerado controverso. Mas não deveria ser. O que eu quero dizer é: vai chegar o dia em que será normal ser uma asiática, uma mulher e uma artista ao mesmo tempo e ainda assim estar com seu marido, ao lado de um cara também artista.

FOLHA - Você acha mesmo que sofre preconceito por ser mulher e asiática?
YOKO
- Sim, ainda vivemos nesse tempo. Mas, agora, eles pensam que é politicamente incorreto ter essas emoções (risos). Então, as engolem. Mas ainda as têm! O fato de que todos nós fizemos algo ajudou, é claro, especialmente as mulheres. Muitas vêm a mim e dizem "obrigado por ter feito algo pelas mulheres".

FOLHA - Os anos com Lennon ainda a inspiram?
YOKO
- Não se pode dizer necessariamente que ele seja minha inspiração. Isso porque, se eu fosse um cara, um artista homem, e dissesse "minha mulher é minha inspiração", todos diriam, "ah, ok". Mas, se uma mulher diz "meu marido é minha inspiração" tem uma conotação diferente. Eu não estou negando o fato de que ele estava por aqui enquanto eu criava, mas nós inspirávamos um ao outro. E agora... O que me inspira são as coisas que nós fizemos juntos e as coisas que fiz sozinha, antes de conhecê-lo. Tudo o que fiz em 74 anos, na verdade.

FOLHA - Seu filho Sean vai com você ao Brasil?
YOKO
- Não creio. Nesse momento estamos tendo vidas muito independentes.

FOLHA - Lennon e você o influenciaram como artista?
YOKO
- Não sei, acho que não. Ele tem seu próprio talento e toma suas decisões artísticas, e eu respeito isso. Espero que ele não sinta algo como "meu pai, minha mãe eram tão grandes, então eu sou apenas produto da influência deles".

FOLHA - Vocês tomavam cuidado como pais para que ele não sentisse o peso de ser filho de quem era?
YOKO
- Sim, bastante. John e eu nunca falamos com ele sobre nosso trabalho. Sean ouviu de alguém que seu pai tinha sido um beatle. Então ele correu nessa mesma cozinha, o pai dele estava sentando aqui nessa cadeira, e ele perguntou: "Papai, papai, você é um beatle?". E John disse (ela tenta imitar a voz dele): "Ah, talvez eu tenha sido, não sei..." (risos).

FOLHA - E o inverso, acontece? Ele não lhe mostra o que está criando?
YOKO
- É verdade, ele não me deixa saber o que está fazendo antes de estar pronto. Desde pequeno é assim. Mas veja que curioso: percebi que desde pequeno ele conhece todas as músicas dos Beatles, todas as músicas de John Lennon, de Yoko Ono. Porque ele é um músico, então não é só conhecer as músicas, mas cada batida, cada harmonia. Não sei como descobriu isso sozinho.

FOLHA - E o que você ouve?
YOKO
- Basicamente, a música que está em minha cabeça.

FOLHA - Há sempre uma, como um mantra?
YOKO
- (Risos) Não necessariamente, às vezes é uma música nova. Pode-se chamar de mantra, mas há sempre uma melodia, não melodia, um ritmo.

FOLHA - Algo brasileiro?
YOKO
- Não. Mas sei que serei bastante exposta à música brasileira quando for a SP. Nunca estive lá. Fui ao Rio e a Brasília. As pessoas me diziam: "Não vá a Brasília, é entediante". Não achei, de maneira nenhuma. Adorei a arquitetura e tudo aquilo, achei maravilhoso.

FOLHA - Você já pensou em deixar esse apartamento?
YOKO
- Não, é muito precioso para mim, é o último lugar em que eu e John construímos um lar. E Sean nasceu enquanto estávamos aqui. Esse é o único lar que ele tem referência dos pais juntos. Gosto de mantê-lo como está e também acho que é uma bênção que eu o tenha.


b>NA INTERNET - Leia íntegra da entrevista na Folha Online
www.folha.com.br/072561



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