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Artigo
A importância dos direitos autorais
O ministro da Cultura, Gilberto Gil, discute pirataria e anuncia um fórum nacional para debater mudanças na Lei Autoral
GILBERTO GIL
ESPECIAL PARA A FOLHA
O debate sobre direitos autorais ganhou espaço importante
de discussão pública. Trata-se
de assunto estratégico para a
cultura brasileira: a valorização
e proteção aos autores e criadores é premissa fundamental de
todo o trabalho que vem sendo
realizado no Ministério da Cultura -instituição que tem a
competência, no Estado brasileiro, de tratar o tema.
Em grande medida, suscitamos a discussão quando decidimos retomar a responsabilidade do ministério de atuar neste
que é um dos mais importantes
temas da cultura. Além de órgão regulador, o Ministério da
Cultura tem se tornado um
grande financiador de bens artísticos e criativos, aumentando seu orçamento ano a ano, e
remunerando, via seleções públicas, milhares de autores de
filmes, peças, livros e outros
bens culturais que entram em
circulação no país.
Na globalização, o Brasil precisa afirmar-se como um grande produtor de conteúdo em
língua portuguesa e não apenas
um gigante consumidor. Nossa
balança comercial em propriedade intelectual (hoje deficitária) deve buscar o equilíbrio,
em benefício do Brasil, das empresas e dos autores brasileiros.
O direito autoral voltou hoje
a ser premissa e uma das finalidades da política cultural brasileira. A política para o direito
autoral é estratégica porque diz
respeito à soberania do Brasil e
de nossos criadores na emergência da sociedade do conhecimento.
Passados dez anos da última
alteração da Lei Autoral brasileira, é hora de a sociedade pensar se é necessária uma atualização. São muitas as insatisfações com o atual modelo, a começar pelos autores, que não se
sentem inteiramente protegidos, nem bem remunerados. E
acrescentemos o desafio dos
novos modelos de negócios em
base digital e, também, o aprofundamento da democracia e o
desejo dos brasileiros de acessar a cultura, como parte de sua
formação humana integral.
Hoje, a lei é anacrônica para
atender, de forma equilibrada,
tanto autores como consumidores e cidadãos. A simples reprodução de um arquivo musical para um tocador de MP3
contraria nossa legislação autoral, que não diferencia cópia
privada de cópia com fins de pirataria. Tanto autores como
consumidores concordariam
que esta é forma relevante de
circular cultura e remunerar
artistas.
Tecnologia
O ambiente de desenvolvimento das tecnologias digitais
promove, ao mesmo tempo, um
desafio e uma oportunidade para o criador de obras literárias e
artísticas. Desafio porque, dada
a facilidade com que se reproduz ou se comunica ao público,
uma obra ultrapassa largamente a capacidade tradicional de
controle do autor sobre a sua
utilização. Oportunidade, pois
o autor nunca teve tanta facilidade em tornar público o seu
trabalho, sem depender dos esquemas tradicionais que lhe
submetem a um contrato com
um investidor cujos termos
são, por vezes, onerosos e mesmo leoninos contra os autores.
Em algum momento de minha
carreira musical, senti na própria pele como os autores nem
sempre são os beneficiários.
A lei atual prescreve a utilização das medidas de proteção
tecnológica (MPT), que permitem ao dono dos direitos sobrepor algum software ou programa específico sobre a mídia em
que eles estão gravados, de maneira que seja impossível, por
exemplo, copiar o filme ou a
música. Na prática, em todo o
mundo, tais medidas têm se revelado ineficientes e incapazes
de manter a remuneração dos
autores e investidores.
A tecnologia a serviço do cerceamento das liberdades produzidas pela própria tecnologia
não é o melhor caminho, quando temos formas mais modernas de controle e novas formas
de modelos de negócio, como a
contribuição obrigatória sobre
a mídia virgem. Essa contribuição, mínima, é revertida automaticamente para os autores
como forma de compensá-los
por perdas como as causadas
pelos downloads. Limitações e
exceções à proteção autoral
permitem atividades culturais
sem fins econômicos, que são
perfeitamente legais em países
avançados.
Devemos também enfrentar
a vulnerabilidade dos criadores
frente ao abuso de poder econômico do investidor, que se
reflete, por vezes, em certas
formas de contrato, de licenciamento ou cessão dos direitos
sobre sua obra para que ela seja
reproduzida, veiculada, distribuída ou comunicada ao público. O que sobra ao autor após a
assinatura desse contrato é, via
de regra, ínfimo, face à importância de sua criação para a mídia e para o usuário final da
obra protegida.
As distorções da lei atual
criam um claro desequilíbrio
entre o incentivo à criação versus o acesso à cultura, de um lado, e, de outro, o incentivo ao
criador versus a remuneração
do investidor. A tecnologia, por
certo, interfere nesse processo,
nos colocando diante de desafios que serão enfrentados com
muito debate social, negociação e inovação. A questão fundamental a ser enfrentada é:
como remunerar de maneira
condizente o criador nacional,
o bem-estar que ele propicia a
toda a sociedade?
Transparência
Devemos reforçar o papel
das entidades de gestão coletiva autoral em suas tarefas de
controlar a utilização das obras
e de arrecadar uma remuneração justa, que seja efetivamente
revertida aos autores. São legítimas as críticas constantes ao
órgão central de arrecadação
da execução pública musical,
assim como a situação de falência da entidade mais antiga de
gestão coletiva, no caso dos direitos de representação teatral,
além da ausência de órgãos de
gestão, por exemplo, na área do
cinema.
No período recente, o Estado
brasileiro praticamente foi desmantelado no seu papel de garantir mais transparência. Hoje, tornou-se necessário fortalecer o papel do Estado na área.
O Ministério da Cultura apoiou
a criação, no âmbito do Ministério da Justiça, do Conselho
Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP).
O governo tem sido bem-sucedido em coordenar os esforços entre a iniciativa privada e o
Estado, com o objetivo de combater a reprodução não-autorizada de obras autorais. Isso
tem sido feito, facilitando o trabalho das autoridades policiais
e judiciárias na busca, apreensão e destruição do material pirateado.
Porém, temos insistido que
não será suficiente somente a
repressão pura e simples à pirataria, sem um trabalho de educação e informação para a população da importância do direito autoral e da relação intrínseca entre a pirataria e o
crime organizado, mostrando
que a compra de material pirata financia a criminalidade. A
iniciativa privada também tem
um papel importante nessa
área, devendo buscar reduzir os
preços dos CDs e DVDs comercializados para torná-los mais
atrativos para o consumidor de
material pirateado. O Estado
não pode tudo nessa área: sem
um esforço de toda a cadeia de
comercialização, as medidas
represssivas não serão suficientes.
A consolidação das leis autorais, ainda no século 19, teve
sempre um objetivo fundamental: incentivar a criação como forma de aumentar o bem-estar da sociedade. Nossa lei
atual está cumprindo esse objetivo? Em minha visão, não é o
caso.
Por isso tudo, julgo que devemos rever esses desequilíbrios
e induzir à melhor distribuição
de benefícios, na qual o criador
receba uma contrapartida justa
em relação a seu papel na sociedade. Com o meio digital, o desafio é ainda maior. Independentemente de qual sejam esses instrumentos e seu foco de
atuação, o Ministério da Cultura já vem trabalhando para dotar seu setor autoral de uma estrutura adequada, para fazer
frente aos desafios impostos
pelas novas tecnologias e, principalmente, pela grandeza cultural de nosso país.
Nesse sentido, é com satisfação que anuncio que o Ministério da Cultura realizará uma série de encontros, seminários e
oficinas integrando um fórum
nacional sobre direitos autorais que promoverá um amplo
debate com a sociedade e com
todos os atores envolvidos na
questão autoral com vistas a
definir qual a melhor forma de
promover os equilíbrios que
mencionei, bem como a atuação que o poder público deve
ter para dotar o campo autoral
de mais transparência e justiça.
GILBERTO GIL, 65, é compositor e atual ministro da Cultura.
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