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Brook encena volta de Jesus à Terra
Peça do dramaturgo inglês, uma fábula extraída de texto de Dostoiévski, é apresentada no 15º Porto
Alegre em Cena
Em monólogo minimalista, com movimentação cênica reduzida em palco nu, o ator Bruce Myers se divide entre narrador e inquisidor
LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Um tablado cinza encimado
por duas banquetas de madeira, uma luz a abraçar indistintamente a cena, e só: a austeridade de Peter Brook, o inglês
radicado na França que é considerado um dos mais importantes diretores de teatro do mundo, faz sua segunda visita ao
Brasil neste ano.
Depois das pílulas beckettianas agridoces de "Fragments"
(fragmentos) -vistas em quatro cidades entre junho e julho-, ele agora encena "The
Grand Inquisitor" (o grande inquisidor), fábula extraída de
"Os Irmãos Karamazov", de
Dostoiévski (1821-1881).
A última das três apresentações do monólogo no 15º Porto
Alegre em Cena acontece hoje
-os ingressos estão esgotados.
Não há sessões previstas em
outras cidades.
Adaptado por Marie-Hélène
Estienne (braço direito de
Brook no Centro Internacional
de Criação Teatral), o texto
narra o retorno de Jesus à Terra. Na Sevilha da Inquisição, vai
alta a fogueira em que a Igreja
Católica lança seus opositores.
A volta do filho de Deus e de seu
discurso libertário constitui
um distúrbio à ordem instituída pelo clero sedento de poder.
"És tu? És tu? Por que vieste
nos perturbar?", dispara o cardeal inquisidor, depois de mandar recolher o recém-chegado
ao palácio do Santo Ofício. É o
início do tour de force retórico
do ator Bruce Myers, que acumula também o papel de narrador (na abertura e no encerramento da peça) e contracena
com um Jesus mudo.
Em seu sermão, o inquisidor
defende que "o homem prefere
a morte à liberdade de escolher
entre o bem e o mal; nada é tão
sedutor nem tão doloroso". E
diz que Cristo, ao resistir às
tentações no deserto e pregar o
livre-arbítrio, "escolheu aquilo
que ultrapassa a força dos homens", condenando-os à desorientação. "Respeitando-os
menos, terias exigido menos
deles, e isso seria mais como
amor", pontifica.
Corrigindo Jesus
O trabalho de Jesus, prossegue o cardeal, foi então "corrigido", partindo-se daquilo que
ele negou quando posto à prova
pelo diabo: milagre, mistério e
autoridade. "Reconhecemos a
sua fraqueza, tiramos o seu fardo. Livres, os homens teriam
tantos labirintos, deparar-se-iam com tantos enigmas que
acabariam por se destruir."
Ao fim, impassível, Cristo
deixa sua banqueta, caminha
em direção ao cardeal e beija-lhe os lábios. O narrador segreda: "O inquisidor estremece,
seu coração queima, mas ele
persiste na idéia [de mandá-lo à
fogueira na manhã seguinte]".
O rigor da atuação de Myers
espelha a concepção minimalista de Brook. Com movimentação cênica reduzida num palco nu, o ator se aferra única e
exclusivamente à palavra.
Nuances quase imperceptíveis
distinguem o narrador do inquisidor, mas são suficientes
para assombrar a platéia gaúcha, que aplaude efusivamente
por quase cinco minutos.
Boa acolhida do público também teve a peça uruguaia "Las
Relaciones de Clara" (as relações de Clara), com dramaturgia da alemã Dea Loher -conhecida no circuito paulistano
por "A Vida na Praça Roosevelt" e "Inocência", do Satyros.
Em cena, uma trilha sonora
pop (que vai de "Tainted Love"
e "Satisfaction" a "Ne Me Quitte Pas") embala uma seqüência
de pareamentos entre personagens que só fazem buscar antídotos à solidão.
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