São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2008

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Brook encena volta de Jesus à Terra

Peça do dramaturgo inglês, uma fábula extraída de texto de Dostoiévski, é apresentada no 15º Porto Alegre em Cena

Em monólogo minimalista, com movimentação cênica reduzida em palco nu, o ator Bruce Myers se divide entre narrador e inquisidor


LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Um tablado cinza encimado por duas banquetas de madeira, uma luz a abraçar indistintamente a cena, e só: a austeridade de Peter Brook, o inglês radicado na França que é considerado um dos mais importantes diretores de teatro do mundo, faz sua segunda visita ao Brasil neste ano.
Depois das pílulas beckettianas agridoces de "Fragments" (fragmentos) -vistas em quatro cidades entre junho e julho-, ele agora encena "The Grand Inquisitor" (o grande inquisidor), fábula extraída de "Os Irmãos Karamazov", de Dostoiévski (1821-1881).
A última das três apresentações do monólogo no 15º Porto Alegre em Cena acontece hoje -os ingressos estão esgotados. Não há sessões previstas em outras cidades.
Adaptado por Marie-Hélène Estienne (braço direito de Brook no Centro Internacional de Criação Teatral), o texto narra o retorno de Jesus à Terra. Na Sevilha da Inquisição, vai alta a fogueira em que a Igreja Católica lança seus opositores. A volta do filho de Deus e de seu discurso libertário constitui um distúrbio à ordem instituída pelo clero sedento de poder.
"És tu? És tu? Por que vieste nos perturbar?", dispara o cardeal inquisidor, depois de mandar recolher o recém-chegado ao palácio do Santo Ofício. É o início do tour de force retórico do ator Bruce Myers, que acumula também o papel de narrador (na abertura e no encerramento da peça) e contracena com um Jesus mudo.
Em seu sermão, o inquisidor defende que "o homem prefere a morte à liberdade de escolher entre o bem e o mal; nada é tão sedutor nem tão doloroso". E diz que Cristo, ao resistir às tentações no deserto e pregar o livre-arbítrio, "escolheu aquilo que ultrapassa a força dos homens", condenando-os à desorientação. "Respeitando-os menos, terias exigido menos deles, e isso seria mais como amor", pontifica.

Corrigindo Jesus
O trabalho de Jesus, prossegue o cardeal, foi então "corrigido", partindo-se daquilo que ele negou quando posto à prova pelo diabo: milagre, mistério e autoridade. "Reconhecemos a sua fraqueza, tiramos o seu fardo. Livres, os homens teriam tantos labirintos, deparar-se-iam com tantos enigmas que acabariam por se destruir."
Ao fim, impassível, Cristo deixa sua banqueta, caminha em direção ao cardeal e beija-lhe os lábios. O narrador segreda: "O inquisidor estremece, seu coração queima, mas ele persiste na idéia [de mandá-lo à fogueira na manhã seguinte]".
O rigor da atuação de Myers espelha a concepção minimalista de Brook. Com movimentação cênica reduzida num palco nu, o ator se aferra única e exclusivamente à palavra. Nuances quase imperceptíveis distinguem o narrador do inquisidor, mas são suficientes para assombrar a platéia gaúcha, que aplaude efusivamente por quase cinco minutos.
Boa acolhida do público também teve a peça uruguaia "Las Relaciones de Clara" (as relações de Clara), com dramaturgia da alemã Dea Loher -conhecida no circuito paulistano por "A Vida na Praça Roosevelt" e "Inocência", do Satyros.
Em cena, uma trilha sonora pop (que vai de "Tainted Love" e "Satisfaction" a "Ne Me Quitte Pas") embala uma seqüência de pareamentos entre personagens que só fazem buscar antídotos à solidão.


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