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São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2003

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OAB quer reparar memória de músico que passou de ídolo popular a acusado de "dedo-duro" no regime militar

O Julgamento de Simonal

Folha Imagem
Simonal em 1967, início de sua fase mais popular


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele nunca foi condenado, nem sequer julgado por um crime do qual o Brasil, mesmo assim, nunca o perdoou: o de supostamente agir como dedo-duro de artistas brasileiros junto ao regime militar. Baseada nesta proposição, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) leva à reta final uma proposta de desagravar a memória do cantor Wilson Simonal (1939-2000).
Já aprovado por unanimidade pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), o requerimento de um fã e amigo de Simonal aguarda apenas ratificação de seu Conselho Pleno da OAB.
"Simonal foi julgado sem defesa pela mídia, o que acabou com ele não só como pessoa e artista, mas acabou com sua própria vida", diz o relator da CDH, Antônio Ribeiro Romanelli, um advogado exilado do Brasil durante o regime militar.
Um dos cantores mais populares do país na década de 60, Simonal foi remetido ao mais completo ostracismo devido a uma bola de neve de suspeitas e acusações deflagradas em 70, quando voltou da campanha vitoriosa pela Copa do Mundo daquele ano -havia sido o cantor oficial da seleção no México.
Na volta, descobriu um desfalque em sua empresa, o que culminou num episódio até hoje mal esclarecido. Em 24 de agosto de 71, um ex-contador seu foi levado às dependências do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Segundo denunciou depois, ele teria sido torturado por policiais ligados a Simonal para confessar o crime.
A indisposição contra Simonal vinha de antes. Em julho de 69, o semanário de esquerda "O Pasquim" publicou entrevista de capa sob o título "Não sou racista", em que acuava Simonal sob perguntas sobre racismo e o fato de ele comer caviar e ter mordomo.
"Acho absurdo e hipócrita dizerem agora que ele foi inocentado. Ele nunca foi criminoso. Seu crime foi ser negro, famoso, rico e dono de um talento monstruoso", afirma o músico João Parahyba, 54, do Trio Mocotó, que acompanhava Jorge Ben Jor, autor de "País Tropical" (69) e outros sucessos de Simonal.
"Ele não tinha conhecimento sobre a situação política real do país. Cometeu o erro de achar que ser amigo dos "home" era legal", emenda o maestro Cesar Camargo Mariano, 60, ex-líder do grupo musical de Simonal.
Em 71, dias antes do episódio no Dops, um anúncio no "Pasquim" ilustrava um dedo negro apontado para a direita, sob legenda de que era "o magnífico e ereto dedo" de Simonal.
Integrante original da equipe do "Pasquim", o cartunista Ziraldo, 70, fala sobre as desavenças: "Simonal deu azar de estar em grande evidência na época do maior patrulhamento ideológico. "O Pasquim" não admitia uma mijada fora do penico".
"Não quero livrar minha cara, mas tive a felicidade de não ser um dos que caíram matando nele. Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável. Morro de pena, ninguém merecia sofrer o que ele sofreu", diz.
Afirmando-se favorável à reabilitação de Simonal, Caetano Veloso, 61, à época exilado na Inglaterra e colaborador do "Pasquim", revela agora à Folha que, ao visitar seus pais no Brasil, em janeiro de 71, ouviu dizer que Simonal era ligado ao regime.
"Assim que cheguei, os militares me interrogaram por seis horas e disseram nomes de artistas que os estariam ajudando com denúncias etc. Foram vários nomes. Eles queriam me amedrontar. O nome de Simonal estava entre eles", afirma Caetano.
"Parecia estar sendo usado como um nome fácil de parecer crível. Outros nomes, alguns muitíssimo menos críveis, foram lançados. Era um clima de blefe. Nunca contei isso. Não acreditava e, mesmo quando desconfiava, não queria fazer o jogo dos opressores que usavam nomes de colegas meus", afirma, por e-mail, sem dizer quais seriam os outros nomes citados.

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