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RODAPÉ
Labirinto de convulsões
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Estranhas Experiências e
Outros Poemas" é uma
síntese da trajetória poética de
Claudio Willer -um dos expoentes da geração que surgiu em São
Paulo nos anos 60, cujas obras
têm grande impacto sobre poetas
contemporâneos que estão nos
antípodas dos concretos e seus interlocutores. O volume inclui os
três livros anteriores de Willer,
"Anotações para um Apocalipse"
(1964), "Dias Circulares" (1976),
"Jardins da Provocação" (1981),
além da coletânea que da título ao
conjunto, contendo poemas escritos nos últimos 20 anos.
Somando-se esses quatro títulos
ao livro em prosa "Volta" (narrativa autobiográfica que inclui personagens fictícias e reflexões filosóficas), é uma obra pequena, cuja extensão contrasta com a importância que Willer assumiu nos
últimos anos, mas conseqüente
com seu programa estético.
No texto de apresentação, em
que faz um espécie de balanço de
seu percurso, ele diz: "Cheguei a
afirmar que a poesia era superestrutural, epifenômeno, pois o que
interessa era a vida, e literatura só
como sintoma, índice de transformações".
Ou seja, Willer parece entender
a produção poética como emanação de uma consciência que, em
momentos raros e epifânicos, excede os limites entre paisagem interior e realidade objetiva, que deseja cancelar as distinções entre
caos sensório e racionalidade.
Na contramão de uma idéia de
poesia fiel a sua raiz etimológica
("poiésis" = fazer, fabricar), Willer rejeita o poema como um artefato e o poeta como um artífice,
em benefício da imagem do poeta
como um "inspirado", que se comunica sem mediações com a essência do existente.
"Poesia é o que sempre soubemos/ o conhecimento animal/ um
núcleo raivoso anterior à Queda
-Gnose", escreve em "A Palavra" -poema emblemático, no
qual o título e o conteúdo, aparentemente metalingüísticos, nos
conduzem a uma série de iluminações alquímicas.
Lendo "Estranhas Experiências" lado a lado com sua obra
pregressa, percebe-se como o trabalho de Willer é homogêneo. Seu
"caleidoscópio de plantas vivas
em um jardim de espasmos" está
em continuidade com o inventário de êxtases contido nos poemas
em prosa de "Anotações para um
Apocalipse" -e isso também é
consistente com uma concepção
de literatura que não se define pela busca de um novo repertório de
formas.
Uma das características mais
marcantes da poesia brasileira é o
diálogo com a tradição, a convicção de que o gesto inventivo se
instaura como negação ou superação de procedimentos estilísticos. O que equivale a historicizar a
poética, estabelecer uma tensão
entre as experiências líricas e sua
necessidade expressiva num determinado contexto: uma vivência só se transforma em poesia (e
seu autor em poeta) na medida
em que sua expressão for, simultaneamente, um ato de refundação da linguagem.
Willer pertence a uma corrente
alheia a esse credo modernista e
pós-modernista no qual se inclui
até mesmo o concretismo (podendo-se ver na abolição do verso
uma utopia da linguagem pura,
desalienada de determinações sociais, psicológicas etc.).
Por mais que livros como "Dias
Circulares" ou "Jardins da Provocação" tenham surgido como atitude transgressiva no ambiente
asfixiante do regime militar, lançando orgias e viagens alucinógenas no rosto moralizador do país
do AI-5, a poesia de Willer conserva um culto do primitivo e um
apelo ao xamanismo que transcendem contextos históricos particulares.
O fato de continuar, hoje, a invocar um "labirinto de convulsões" e "punhais de nuvens arcaicas" mostra até que ponto as "comemorações invisíveis" de Willer
remetem a uma experiência intemporal -e, portanto, anti-histórica.
E por isso, em termos rigorosamente poéticos, sua obra retoma
de modo consciente alguns lugares-comuns de "malditos" como
Lautréamont, os poetas surrealistas e os "beatniks" -dos quais
Willer é não apenas um leitor crítico, mas também excelente tradutor, com versões dos "Cantos
de Maldoror" (do poeta francês) e
de poemas como "Uivo" e "Kaddish", de Allen Ginsberg.
Estranhas Experiências e Outros
Poemas
Autor: Claudio Willer
Editora: Lamparina
Quanto: R$ 144 (28 págs.)
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