São Paulo, sexta-feira, 16 de novembro de 2001

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TV

Autor do jingle acha que não recebeu pela execução da música porque problema não chegou aos ouvidos do apresentador

SBT recorre no caso "Silvio Santos Vem Aí"

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Corredor da rádio Nacional, rua das Palmeiras, centro de SP, 1965.
Silvio Santos: "Messina, estou querendo uma musiquinha para o meu programa, alguma coisa para anunciar a minha chegada".
Archimedes Messina: "Você já tem alguma idéia na cabeça?".
Silvio Santos: "Acho que tem que começar com um "lá, lá, lá", depois você põe o que quiser. Tem que ser simples para pegar".
A história é contada pelo compositor Archimedes Messina, 69, autor de jingles famosos como o do café Seleto ("Depois de um sono bom..."). O diálogo com Silvio Santos era o começo da criação da talvez mais famosa música da TV brasileira e de uma disputa judicial por direitos autorais, que o compositor acaba de vencer.
Uma semana depois da encomenda, Messina se encontrou novamente com o iniciante locutor, que iria estrear na rádio Nacional o "Programa Silvio Santos". E colocou a fita para o colega escutar:
"Lá, lá, lá, lá... Agora é hora / De Alegria / Vamos sorrir e cantar / Do mundo não se leva nada / Vamos sorrir e cantar. Lá, lá, lá, lá... Silvio Santos vem aí...".
O resto da parte glamourosa da história do jingle é conhecido por qualquer brasileiro que tenha passado perto de um aparelho de TV pelo menos um domingo na vida.
Após se tornar marca registrada do programa de rádio, a música seguiu com o apresentador para sua estréia na TV Globo, um ano depois. Em pouco tempo, caiu na boca do povo, virou marchinha de Carnaval e até hoje abre a atração do apresentador, no SBT.
Atrás dos holofotes, no entanto, a trajetória da canção passou longe do glamour. Messina diz nunca ter sido pago pela execução do jingle nestes mais de 30 anos.
"Na época, Silvio pagou o equivalente a uns R$ 10 mil ao estúdio onde eu trabalhava para ter o jingle pronto, gravado com orquestra. Dessa quantia, recebi o que hoje seriam uns R$ 700", afirma.
Eliane Rinse Jundi, advogada de Messina no caso, diz que o mercado paga cerca de R$ 15 mil por semestre para a execução de jingles. "Pelos 30 anos, ele teria de receber R$ 600 mil, fora a indenização por danos morais", afirma.
Na segunda, o SBT foi condenado, na 18ª Vara Cível de SP, a pagar 50 salários mínimos a Messina por danos morais e, por danos materiais, um valor que será calculado pelo tempo de execução. Jundi diz que irá recorrer para que seja estipulado um valor maior por danos morais.
No processo, o SBT alegou que o jingle era de autoria de Heitor Carillo, como está registrado em um disco lançado por Silvio Santos. O próprio compositor negou e afirmou que a música foi criada por Messina. O encarte do LP teria sido erro da gravadora. A obra foi registrada por Messina no Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais e na União Brasileira de Compositores.
O SBT, por meio de sua assessoria, informou que irá recorrer da decisão. O processo deve chegar ao Superior Tribunal de Justiça e pode demorar de dois a três anos.
Resolver essa questão nos tribunais não é uma idéia que agrade a Messina. Antes de entrar na Justiça, há dois anos, ele diz ter tentado um contato com Silvio Santos várias vezes. Ligou para o SBT, foi à emissora. "Mas não fui recebido e não consegui discutir o caso nem com o departamento jurídico."
Apesar disso e de ler notícias dos processos que o apresentador enfrenta por plágio com "Casa dos Artistas", "Show do Milhão" e "Qual É a Música?", ele prefere acreditar que seu caso ainda não se resolveu porque não chegou aos ouvidos de Silvio Santos.
"Tenho certeza de que, se ele soubesse que eu não estou recendo, pagaria na hora. O problema não é o Silvio Santos, mas são as 300 pessoas que ficam em volta dele. Ele deve pensar que está me pagando nestes 30 anos."
Além desse e do café Seleto, Messina fez outros jingles conhecidos. Compôs para a Varig por 25 anos e teve mais de cem músicas gravadas, algumas por famosos como Cely Campello. Também fez sucesso como ator de novelas na rádio São Paulo, onde iniciou a carreira aos 18 anos, quando teve de escolher o trabalho em vez da faculdade. Conseguiu uma vida financeiramente tranquila.
Hoje aposentado, mora numa casa com cara de praia na serra da Cantareira, em SP, onde ainda compõe alguns jingles. Sua mulher, Inajá, 57, ficou sabendo do processo judicial pela reportagem da Folha, que estragou a surpresa que estava sendo preparada por Messina. "É algo que nos alegra muito. Nunca deixamos de gostar do Silvio. Mas ouvir aquela música todos os domingos sem nenhum reconhecimento sempre nos deixou magoados", diz Inajá.
Se vier, o dinheiro da indenização será bem-vindo, claro, mas "não mudará nossa vida". "O importante é a alegria de ver nossos filhos e netos bem, essa paisagem da serra..." Afinal de contas, "do mundo não se leva nada".



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