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CRÍTICA
Asseptismo e discurso político criam incômodo
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
"Mater Dei" , o segundo
longa de Vinicius Mainardi em parceria com o irmão
Diogo (responsável pelo roteiro),
poderia começar (ou terminar)
com aqueles letreiros manjados:
"Este filme é baseado em fatos
reais". Seus personagens estão
ainda sujos das tintas dos jornais.
A saber: um empreiteiro inescrupuloso, responsável pela obra
superfaturada de construção de
uma nova sede para o Tribunal
Regional do Trabalho, e um juiz
corrupto. A trama se complementa com o envolvimento de dois irmãos, Vini, um cineasta, e Diogo,
um jornalista, com os tais corruptos, na tentativa de encontrar financiamento para uma adaptação de um conto de Machado de
Assis para o cinema.
A impressão dominante é que
se trata de um filme político em
tom de farsa ou de uma comédia
sem risos. A pretensão tem lá suas
justificativas, mas o resultado é
constrangedor.
Como fator dramático, os Mainardi introduziram a figura bíblica de Maria (encarnada sem relevo por Carolina Ferraz), que carrega em seu ventre uma criança a
ser sacrificada num cruel acerto
de contas entre o construtor e o
juiz. Maria é um foco simbólico,
uma "metáfora" de uma sociedade cujos filhos são sacrificados para alimentar a sede dos poderosos. Brasil? Parece que sim.
Partindo desse excesso de "realismo", os personagens de "Mater
Dei" resvalam sem muita consistência para o plano da paródia,
que poderia até funcionar se fosse
levada ao extremo. Mas nossa realidade sempre escapa das tentativas de retratá-la como mais absurda do que ela já é.
A ironia, por sua vez, aparece
muitas vezes como um jogo de
auto-referência, particularmente
nas situações derrisórias no retrato dos dois irmãos. "Seu filme é
muito ruim", expressa Maria ao
cineasta Vini a certa altura. O espectador tende a concordar.
O que praticamente anula a intenção farsesca, nos exaustivos 83
minutos de duração de "Mater
Dei", é a tentação do discurso.
Não bastasse a eloquência do
mau-caratismo dos personagens,
o espectador ainda é obrigado a
ouvir falações sobre a crise ética, a
corrupção de A a Z, a falta de cultura da classe dominante, o fascismo da estetização da violência e
por aí vai.
Outro incômodo é criado pelo
tratamento asseptizado da imagem. A cuidadosa fotografia em
DV (vídeo digital) capta a cidade
de São Paulo como se fosse um cenário sem rugas. Os "cartões-postais" pululam, e, pelo menos das
ruas tais como filmadas aqui, a sociedade (e suas arestas, para não
dizer injustiças) foi cuidadosamente afastada para não poluir a
imagem.
Além do mérito de ser uma produção barata, realizada sem "as
falcatruas do financiamento oficial" e bem resolvida tecnicamente, "Mater Dei" exerce um salutar
efeito colateral sobre o espectador: quando acaba, dá vontade de
sair correndo para assistir a um
bom filme.
Mater Dei
Direção: Vinicius Mainardi
Produção: Brasil, 2001
Com: Carolina Ferraz, Gabriel Braga
Nunes, Celso Frateschi
Quando: a partir de hoje no Anália
Franco, Unibanco Arteplex, Jardim Sul,
Sala UOL, SP Market e Tamboré
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