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RODAPÉ
György Petri tratou a Hungria com amargur a repleta de lirismo
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS
Nos tempos pré-internet,
acompanhar a literatura de
um país, não só geográfica, mas
também linguisticamente distante (além de politicamente isolado
pela "cortina de ferro") como a
Hungria era uma tarefa difícil. Os
grandes informantes nativos como Paulo Rónai e Dezsö Landy,
proprietário da livraria húngara
de São Paulo, estavam vivos e
sempre dispostos a ajudar, mas,
tendo formado seu gosto, opinião
e preferências antes da guerra e do
exílio, eles não estavam tão interessados nos autores novos quanto naqueles de sua própria geração. Revistas chegavam raramente e, sem um mapa mais detalhado do panorama cultural do país,
sua utilidade se reduzia bastante.
Assim, quando em 1977 fui pela
primeira vez à terra de meus ancestrais, procurei logo descobrir o
que era que contava na poesia de
então. Uma prima bem informada me falou do novo poeta mais
apreciado pelos jovens: György
Petri (nascido em 1943). O problema é que, de tão apreciado, seus
livros eram impossíveis de obter.
A Hungria era, naqueles dias, o
país mais liberal do bloco soviético. O regime, se bem que não admitisse oposição aberta, tolerava
certo grau de dissidência intelectual e, entre os poetas, Petri era
porta-voz e símbolo desta.
Seus poemas, filiados a uma linhagem agressivamente coloquial e socialmente crítica, equilibravam um ceticismo despido de
rancor ou amargura com um lirismo moderno e avesso à pieguice.
Seus versos políticos mais ácidos,
sobretudo os que tratavam do
grande tabu nacional, a insurreição anticomunista de 56, foram,
ainda assim, censurados, saindo
apenas depois da derrocada do
"ancien régime" numa coletânea
significativamente intitulada "O
Que Ficou de Fora".
Entrevistei-o ao voltar, em agosto de 89, à Hungria. Sem idéia de
seu aspecto físico, perguntei-lhe
por telefone como é que o reconheceria quando nos encontrássemos em determinado café de
Budapeste. Ele respondeu que seria fácil : "Sou um sujeito mirrado
com um chapéu grande". De fato:
como medisse pouco mais de
1,60m, seu chapéu preto, de abas
largas, ganhava proporcionalmente ares de um "sombrero".
Nossa conversa prolongou-se para além do horário de fechamento, de modo que fomos a seu apartamento, onde conheci Maya, sua
mulher, e onde, sobre à mesa à
qual nos sentamos, Petri colocou
uma garrafa de vodka que bebeu
inteira, "apagando" em seguida.
Não voltei a encontrá-lo.
Há alguns anos soube, por um
poema que aparecera em alguma
antologia, da morte de Maya e de
sua nova mulher, Mari. E algumas
semanas atrás, com o imperdoável atraso de dois anos, descobri
pela internet que ele havia morrido de câncer em 2000. Seus últimos poemas são de uma pungência singular, devido provavelmente à lucidez extrema e a um toque
de autopiedade humanamente
compreensível e justa. Boa parte
de sua obra está traduzida, bem,
para o inglês e para o alemão.
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