São Paulo, sábado, 16 de novembro de 2002

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RODAPÉ

György Petri tratou a Hungria com amargur a repleta de lirismo

NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS

Nos tempos pré-internet, acompanhar a literatura de um país, não só geográfica, mas também linguisticamente distante (além de politicamente isolado pela "cortina de ferro") como a Hungria era uma tarefa difícil. Os grandes informantes nativos como Paulo Rónai e Dezsö Landy, proprietário da livraria húngara de São Paulo, estavam vivos e sempre dispostos a ajudar, mas, tendo formado seu gosto, opinião e preferências antes da guerra e do exílio, eles não estavam tão interessados nos autores novos quanto naqueles de sua própria geração. Revistas chegavam raramente e, sem um mapa mais detalhado do panorama cultural do país, sua utilidade se reduzia bastante.
Assim, quando em 1977 fui pela primeira vez à terra de meus ancestrais, procurei logo descobrir o que era que contava na poesia de então. Uma prima bem informada me falou do novo poeta mais apreciado pelos jovens: György Petri (nascido em 1943). O problema é que, de tão apreciado, seus livros eram impossíveis de obter.
A Hungria era, naqueles dias, o país mais liberal do bloco soviético. O regime, se bem que não admitisse oposição aberta, tolerava certo grau de dissidência intelectual e, entre os poetas, Petri era porta-voz e símbolo desta.
Seus poemas, filiados a uma linhagem agressivamente coloquial e socialmente crítica, equilibravam um ceticismo despido de rancor ou amargura com um lirismo moderno e avesso à pieguice. Seus versos políticos mais ácidos, sobretudo os que tratavam do grande tabu nacional, a insurreição anticomunista de 56, foram, ainda assim, censurados, saindo apenas depois da derrocada do "ancien régime" numa coletânea significativamente intitulada "O Que Ficou de Fora".
Entrevistei-o ao voltar, em agosto de 89, à Hungria. Sem idéia de seu aspecto físico, perguntei-lhe por telefone como é que o reconheceria quando nos encontrássemos em determinado café de Budapeste. Ele respondeu que seria fácil : "Sou um sujeito mirrado com um chapéu grande". De fato: como medisse pouco mais de 1,60m, seu chapéu preto, de abas largas, ganhava proporcionalmente ares de um "sombrero". Nossa conversa prolongou-se para além do horário de fechamento, de modo que fomos a seu apartamento, onde conheci Maya, sua mulher, e onde, sobre à mesa à qual nos sentamos, Petri colocou uma garrafa de vodka que bebeu inteira, "apagando" em seguida. Não voltei a encontrá-lo.
Há alguns anos soube, por um poema que aparecera em alguma antologia, da morte de Maya e de sua nova mulher, Mari. E algumas semanas atrás, com o imperdoável atraso de dois anos, descobri pela internet que ele havia morrido de câncer em 2000. Seus últimos poemas são de uma pungência singular, devido provavelmente à lucidez extrema e a um toque de autopiedade humanamente compreensível e justa. Boa parte de sua obra está traduzida, bem, para o inglês e para o alemão.



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