São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 2005

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TELEVISÃO/ANÁLISE

Torero entrevista objetos inusitados em novo "talk-show"

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre a estréia de duas grandes produções, "Belíssima" no último dia 7 e a nova temporada de "Cidade dos Homens" depois de amanhã, comento aqui um pequeno programa, discretamente no ar há alguns meses, sempre às quartas-feiras, às 22h30, no Canal Brasil.
Trata-se de "Canto do Torero", um programete de no máximo
cinco minutos em que José Roberto Torero, profícuo autor multimídia, entrevista objetos. Isso mesmo. Aqui a verborragia da TV, bem expressa no excesso de "talk-shows", formato barato que não pára de se reproduzir, é tratada com ironia.
Torero nasceu em Santos, onde é dono de uma livraria. Escreveu livros (passagens do seu romance "Chalaça" foram recentemente citadas por César Maia como se fossem dados reais em um inusitado episódio de apropriação política). Dirigiu filmes, assina roteiros para a TV e o cinema e tem uma coluna sobre futebol nesta Folha.
O humor é a marca principal dos diversos trabalhos do autor, que agora passa para o outro lado da câmera. No caso do programete no Canal Brasil, Torero, com sua pinta de bom moço, contracena com objetos interpretados por uma voz -às vezes feminina, às vezes masculina, a depender do sexo da entidade escolhida para protagonizar a conversa.
Uma mostra de algumas edições inclui entrevistas com uma vagina, protegida por uma vasta penugem negra entre as coxas grossas de um pedaço de manequim branco. A lógica da neutralidade jornalística justifica o tema da semana seguinte, a cara-metade da vagina: um pênis de borracha, garbosamente instalado na poltrona.
Torero entrevistou ainda a morte, um apito e a boneca Barbie. O papo com a loura milionária foi especialmente inspirado, versando sobre temas como peruas ou o imperialismo norte-americano.
O programa, dirigido por Kiko Mollica, é hilário. A produção é mínima. Duas poltronas, um fundo vermelho decorado com objetos pouco identificados, típicos dos cenários anódinos de TV. Torero ocupa a da esquerda. A outra poltrona abriga a cada semana um objeto convidado.
Já há algum tempo o Canal Brasil diversificou a sua programação com a exibição de diversos programas de entrevistas com personalidades do mundo da literatura, do cinema e da TV. Como parte desse esforço, o canal criou "Cantos Gerais", um espaço para "colunas eletrônicas" semanais.
A cada dia da semana, às 22h30, um colunista se apresenta. Segunda-feira é dia de Ariano Suassuna; terça, de Jorge Mautner; quinta, de Geraldo Carneiro; e sexta, de Zé Celso Martinez Corrêa.
A brincadeira de Torero é simples e barata. Não exige transmissão ao vivo, não tem compromisso com momentos específicos da conjuntura, ou seja, não depende de atualidades, o que permite a pré-gravação de vários programas no mesmo dia. O formato não exige locação, não depende da agenda nem da presença física de personalidades -a não ser a do próprio apresentador, que vai assim se reinventando.
O diferencial aqui é a inteligência, que com parcos recursos supera o blablablá que satura a TV de todo dia. As histórias são boas. Mas o formato merece destaque, com seu visual tosco: os pés do apresentador estão invariavelmente fora de quadro.
A curta duração e a simplicidade de produção parecem características adequadas ao momento de convergência digital que aumenta as possibilidades de circulação de sons e imagens.
Não perca o programa de hoje e o sensacional destaque da semana que vem: entrevista exclusiva com um casaco de peles da Daslu. O paletó preto e justo é metido, se diz francês, mas fala portunhol.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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