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TELEVISÃO/ANÁLISE
Torero entrevista objetos inusitados em novo "talk-show"
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Entre a estréia de duas grandes produções, "Belíssima"
no último dia 7 e a nova temporada de "Cidade dos Homens" depois de amanhã, comento aqui
um pequeno programa, discretamente no ar há alguns meses,
sempre às quartas-feiras, às
22h30, no Canal Brasil.
Trata-se de "Canto do Torero",
um programete de no máximo
cinco minutos em que José Roberto Torero, profícuo autor multimídia, entrevista objetos. Isso
mesmo. Aqui a verborragia da
TV, bem expressa no excesso de
"talk-shows", formato barato que
não pára de se reproduzir, é tratada com ironia.
Torero nasceu em Santos, onde
é dono de uma livraria. Escreveu
livros (passagens do seu romance
"Chalaça" foram recentemente
citadas por César Maia como se
fossem dados reais em um inusitado episódio de apropriação política). Dirigiu filmes, assina roteiros para a TV e o cinema e tem
uma coluna sobre futebol nesta
Folha.
O humor é a marca principal
dos diversos trabalhos do autor,
que agora passa para o outro lado
da câmera. No caso do programete no Canal Brasil, Torero, com
sua pinta de bom moço, contracena com objetos interpretados por
uma voz -às vezes feminina, às
vezes masculina, a depender do
sexo da entidade escolhida para
protagonizar a conversa.
Uma mostra de algumas edições inclui entrevistas com uma
vagina, protegida por uma vasta
penugem negra entre as coxas
grossas de um pedaço de manequim branco. A lógica da neutralidade jornalística justifica o tema
da semana seguinte, a cara-metade da vagina: um pênis de borracha, garbosamente instalado na
poltrona.
Torero entrevistou ainda a morte, um apito e a boneca Barbie. O
papo com a loura milionária foi
especialmente inspirado, versando sobre temas como peruas ou o
imperialismo norte-americano.
O programa, dirigido por Kiko
Mollica, é hilário. A produção é
mínima. Duas poltronas, um fundo vermelho decorado com objetos pouco identificados, típicos
dos cenários anódinos de TV. Torero ocupa a da esquerda. A outra
poltrona abriga a cada semana
um objeto convidado.
Já há algum tempo o Canal Brasil diversificou a sua programação
com a exibição de diversos programas de entrevistas com personalidades do mundo da literatura,
do cinema e da TV. Como parte
desse esforço, o canal criou "Cantos Gerais", um espaço para "colunas eletrônicas" semanais.
A cada dia da semana, às 22h30,
um colunista se apresenta. Segunda-feira é dia de Ariano Suassuna;
terça, de Jorge Mautner; quinta,
de Geraldo Carneiro; e sexta, de
Zé Celso Martinez Corrêa.
A brincadeira de Torero é simples e barata. Não exige transmissão ao vivo, não tem compromisso com momentos específicos da
conjuntura, ou seja, não depende
de atualidades, o que permite a
pré-gravação de vários programas no mesmo dia. O formato
não exige locação, não depende
da agenda nem da presença física
de personalidades -a não ser a
do próprio apresentador, que vai
assim se reinventando.
O diferencial aqui é a inteligência, que com parcos recursos supera o blablablá que satura a TV
de todo dia. As histórias são boas.
Mas o formato merece destaque,
com seu visual tosco: os pés do
apresentador estão invariavelmente fora de quadro.
A curta duração e a simplicidade de produção parecem características adequadas ao momento
de convergência digital que aumenta as possibilidades de circulação de sons e imagens.
Não perca o programa de hoje e
o sensacional destaque da semana
que vem: entrevista exclusiva com
um casaco de peles da Daslu. O
paletó preto e justo é metido, se
diz francês, mas fala portunhol.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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