|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"FEBRE DE BOLA"
Primeiro livro de Hornby disseca loucura pelo futebol
JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
P ara o observador externo, o
futebol é uma metáfora da vida. Para o torcedor apaixonado,
ele é a própria vida.
"Febre de Bola" é uma bela
comprovação das afirmações acima. Lançado na Inglaterra em
1992, foi o primeiro livro publicado pelo londrino Nick Hornby
-mais conhecido no Brasil como
autor do romance "Alta Fidelidade", que inspirou o filme homônimo de Stephen Frears.
Em "Febre de Bola", Hornby revê sua própria vida, dos 11 aos 35
anos, a partir do prisma de torcedor fanático do clube londrino
Arsenal.
Os capítulos se organizam em
torno de partidas do time (e,
eventualmente, da seleção inglesa), e a periodização se dá em termos de campeonatos e temporadas futebolísticos.
O futebol entrou na vida do pequeno Nick como um espaço de
convivência e entendimento com
o pai, então em processo de separação de sua mãe. Depois desse
começo familiar, entretanto, a
paixão pelo Arsenal inoculou-se
em Hornby como um veneno, um
vício, uma loucura.
"Febre de Bola" é a história dessa loucura, que dificultou durante
anos o convívio do autor com as
pessoas "normais", prejudicou
seus estudos e trabalhos e retardou seu amadurecimento emocional.
Quanto a esse aspecto, há passagens impagáveis, como esta:
"De modo que já houve convites de casamento que tive de recusar, embora sempre tomando o
cuidado de providenciar uma
desculpa socialmente aceitável
que envolvesse problemas familiares ou dificuldades no trabalho;
pois "Jogo em casa contra o Sheffield United" é considerada uma
explicação inadequada em situações como essa".
Os fanáticos por futebol vão se
identificar solidariamente com o
autor, e o leitor que não está nem
aí para o jogo vai aprender a compreendê-los melhor.
Como Hornby é um escritor
sensível e inteligente, seu apego
ao futebol não significou apenas
alienação do mundo dos vivos.
Pelo contrário: ao mesmo tempo que o afastou de um cotidiano
convencional, a paixão futebolística deu-lhe um ponto privilegiado de observação da cultura e da
sociedade de seu tempo.
Ao rememorar, com humor e
auto-ironia, sua vida de torcedor,
Hornby revela e comenta um
pouco de tudo: relações afetivas,
comportamento moral, cultura
pop, violência urbana, contradições sociais.
Todas essas coisas perpassam
de alguma maneira os estádios de
futebol ingleses (e do mundo inteiro) ou, em todo caso, o dia-a-dia de um torcedor.
Não é um livro sobre futebol. É
um livro sobre a vida. Hornby faz
de suas próprias experiências,
sensações, aspirações e fraquezas
um laboratório de investigação
sobre o homem urbano de nossa
época.
Um dos resultados dessa investigação é a conclusão, mantida tácita, de que cada um de nós, torcedor ou não, traz dentro de si um
"hooligan" prestes a vir à tona. A
forma, assassina ou inofensiva,
dessa erupção depende da cultura, da sensibilidade, do autoconhecimento.
"Febre de Bola", nesse sentido, é
um exorcismo e uma sublimação.
Um livro como esse poderia ser
escrito em qualquer país onde o
futebol é uma paixão desmedida:
Brasil, Itália, Argentina... Mas, ao
mesmo tempo, tem particularidades que só um torcedor do Arsenal pôde ver.
"Febre de Bola", em suma, é o
mundo visto de Highbury.
Febre de Bola
Fever Pitch
Autor: Nick Hornby
Tradução: Paulo Reis
Editora: Rocco
Quanto: R$ 20 (248 págs.)
Texto Anterior: Livros/Lançamentos: Borges "marginal" vem à luz Próximo Texto: Resenha da semana: Desautomatização Índice
|