São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 2000

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"FEBRE DE BOLA"


Primeiro livro de Hornby disseca loucura pelo futebol



JOSÉ GERALDO COUTO DA EQUIPE DE ARTICULISTAS P ara o observador externo, o futebol é uma metáfora da vida. Para o torcedor apaixonado, ele é a própria vida.
"Febre de Bola" é uma bela comprovação das afirmações acima. Lançado na Inglaterra em 1992, foi o primeiro livro publicado pelo londrino Nick Hornby -mais conhecido no Brasil como autor do romance "Alta Fidelidade", que inspirou o filme homônimo de Stephen Frears.
Em "Febre de Bola", Hornby revê sua própria vida, dos 11 aos 35 anos, a partir do prisma de torcedor fanático do clube londrino Arsenal.
Os capítulos se organizam em torno de partidas do time (e, eventualmente, da seleção inglesa), e a periodização se dá em termos de campeonatos e temporadas futebolísticos.
O futebol entrou na vida do pequeno Nick como um espaço de convivência e entendimento com o pai, então em processo de separação de sua mãe. Depois desse começo familiar, entretanto, a paixão pelo Arsenal inoculou-se em Hornby como um veneno, um vício, uma loucura.
"Febre de Bola" é a história dessa loucura, que dificultou durante anos o convívio do autor com as pessoas "normais", prejudicou seus estudos e trabalhos e retardou seu amadurecimento emocional.
Quanto a esse aspecto, há passagens impagáveis, como esta:
"De modo que já houve convites de casamento que tive de recusar, embora sempre tomando o cuidado de providenciar uma desculpa socialmente aceitável que envolvesse problemas familiares ou dificuldades no trabalho; pois "Jogo em casa contra o Sheffield United" é considerada uma explicação inadequada em situações como essa".
Os fanáticos por futebol vão se identificar solidariamente com o autor, e o leitor que não está nem aí para o jogo vai aprender a compreendê-los melhor.
Como Hornby é um escritor sensível e inteligente, seu apego ao futebol não significou apenas alienação do mundo dos vivos.
Pelo contrário: ao mesmo tempo que o afastou de um cotidiano convencional, a paixão futebolística deu-lhe um ponto privilegiado de observação da cultura e da sociedade de seu tempo.
Ao rememorar, com humor e auto-ironia, sua vida de torcedor, Hornby revela e comenta um pouco de tudo: relações afetivas, comportamento moral, cultura pop, violência urbana, contradições sociais.
Todas essas coisas perpassam de alguma maneira os estádios de futebol ingleses (e do mundo inteiro) ou, em todo caso, o dia-a-dia de um torcedor.
Não é um livro sobre futebol. É um livro sobre a vida. Hornby faz de suas próprias experiências, sensações, aspirações e fraquezas um laboratório de investigação sobre o homem urbano de nossa época.
Um dos resultados dessa investigação é a conclusão, mantida tácita, de que cada um de nós, torcedor ou não, traz dentro de si um "hooligan" prestes a vir à tona. A forma, assassina ou inofensiva, dessa erupção depende da cultura, da sensibilidade, do autoconhecimento.
"Febre de Bola", nesse sentido, é um exorcismo e uma sublimação. Um livro como esse poderia ser escrito em qualquer país onde o futebol é uma paixão desmedida: Brasil, Itália, Argentina... Mas, ao mesmo tempo, tem particularidades que só um torcedor do Arsenal pôde ver.
"Febre de Bola", em suma, é o mundo visto de Highbury.


Febre de Bola
Fever Pitch
    
Autor: Nick Hornby
Tradução: Paulo Reis
Editora: Rocco
Quanto: R$ 20 (248 págs.)




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