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CINEMA
Documentário dá voz a expoentes da cultura de rua; para diretora, críticas de sexismo são preconceito contra favela
"Sou Feia..." mostra funk além do fenômeno
ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quem foi à palestra que o DJ e
produtor Steve Goodman
ministrou na última edição do
festival Hype, no Sesc Pompéia,
em São Paulo, assistiu a uma
amostra em vídeo de MCs de garage duelando rimas entre si sem
nenhuma base -no máximo,
palmas. O DJ, que atua sob o codinome Kode9, disse ser impossível
legendar o vídeo, devido ao excesso de gírias, referências e trocadilhos na batalha verbal. Mas percebia-se uma matriz essencial, na
prosa e no ritmo, característica
daquela cultura de rua, ainda que
racionalmente intraduzível.
O mesmo acontece nos minutos
iniciais de "Sou Feia Mas Tô na
Moda", estréia na direção da gaúcha Denise Garcia, sócia do cartunista Allan Sieber na produtora
Toscographics. "Quem nasceu
nasceu/ Quem não nasceu não
nascerá", canta, sem acompanhamento, o MC G, logo na primeira
cena do filme. Logo a câmera corre para um churrasco na Cidade
de Deus, em que MCs de funk carioca trocam rimas como numa
roda de samba, só na palma da
mão. Em português carioca, as gírias, referências e trocadilhos são
igualmente intraduzíveis, mas
percebe-se todas as nuances que
caracterizam um gênero musical.
Nuances que são escancaradas
quando, minutos à frente, o produtor Grandmaster Raphael
arenga um arremedo de vocal para encaixar-se nas bases pré-gravadas, inconfundíveis.
Esse é o grande trunfo de "Sou
Feia...", que ameaça falar do papel
da mulher no funk do Rio, para
dar uma pequena aula sociocultural sobre o fenômeno pop. "Meu
interesse no funk começou em
2000", lembra Denise, "quando os
bondes de mulheres começaram
a aparecer na imprensa. Porém,
sempre que o assunto vinha à tona, era um tal de "esta música denigre a imagem da mulher", "a
mulher está se deixando tratar como objeto"... Eu, como mulher,
não achava isso", afirma.
"Foi quando comecei a notar essa barreira que separa a favela do
asfalto. A coisa de "mulher-objeto"
era desculpa para o preconceito
contra o pessoal da favela, pois
uma cidade que se orgulha do
Carnaval que faz não podia estar
falando sério. Era falso moralismo mesmo. Aí comecei a pensar
num documentário", explica a diretora, que começou o filme através da emblemática Tati Quebra-Barraco, que registrou se apresentando grávida de oito meses.
"Comecei pelas mulheres porque estava fascinada com a coragem, a cara-de-pau, o senso de
humor delas. Mas, quando comecei a conhecer o movimento melhor, vi que não fazia sentido deixar de lado a história que eles todos iam me contando", continua.
"A única certeza que tinha desde
o início é que, fosse o recorte que
fosse, a história seria contada por
funkeiros, sem filtro acadêmico."
Estrela
Mas a grande estrela do documentário, que ainda conta com
uma estarrecedora versão à capela para "O Rap da Felicidade"
com Cidinho e Doca (soul na
veia), é Deise da Injeção, que conquista pela simplicidade. "A primeira entrevista que ela me deu
foi emocionante, porque ela estava numa fase em que pensava que
nunca mais iria poder viver de fazer música. Ela me cativou. Desde
então, sempre que me entrevistavam, eu sugeria que a entrevistassem, pois ela era a única do filme
que não estava fazendo shows. E,
hoje, nem precisa falar, né: está fazendo muitos shows, largou o
emprego de doméstica, foi para a
França, tocou com a [cingalesa radicada em Londres] M.I.A."
"Mas a maior emoção foi ter ido
até o fim mesmo sem um centavo
para realizar", desabafa a diretora. "Eu não acho que a gente deva
se orgulhar de trabalhar sem grana, mas deixar de fazer um projeto porque nenhuma empresa quis
entrar, isso não! Aprovamos R$
450 mil na Lei do ICMS, mas nos
contatos a resposta era sempre a
mesma: "Achamos que o assunto
do seu projeto não se enquadra
no perfil de nossa empresa". Vai
entender: empresa operando em
pleno Rio de Janeiro funkeiro, como é que não se enquadra?"
Sou Feia Mas Tô na Moda
Direção: Denise Garcia
Produção: Brasil, 2005
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca Arteplex e Reserva Cultural
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