São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2000


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Cinema novo 2.0

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O diretor Paulo Cezar Sarraceni e o cinegrafista Mário Carneiro (ao centro) utilizam câmeras digitais para filmar cena do documentário "Banda de Ipanema", em estúdio em São Cristovão



Com 1,5 kg de modernas câmeras digitais, Paulo Cezar Saraceni e Mário Carneiro voltam a filmar juntos em 'Banda de Ipanema'; dupla usou 30 kg em equipamento, há 40 anos, para produzir 'Arraial do Cabo', marco do cinema novo


ALEXANDRE MARON
da Sucursal do Rio

Em 1960, o diretor Paulo Cezar Saraceni, então com 25 anos, e o cinegrafista Mário Carneiro, com 29, pegaram uma câmera e fizeram o clássico "Arraial do Cabo", um marco do cinema novo.
Quarenta anos depois, os dois estão prontos para um novo filme, só que, no lugar dos 30 kg de equipamentos convencionais, vão carregar 1,5 kg de moderníssimas câmeras de vídeo digital.
Saraceni, que teve "O Viajante" lançado nos cinemas paulistanos há três semanas, já começou a gravar as primeiras cenas do documentário "Banda de Ipanema -Folia de Albino", no último dia 10, no bar Jangadeiro, no Rio.
"É uma obra emocional. Estou usando essa parafernália digital para olhar para o passado e homenagear meu grande amigo", explica Saraceni. O cineasta fala de Albino Pinheiro, o criador da Banda de Ipanema, em 1965, que morreu em 99 (leia texto abaixo).
A frase "o cinema novo é uma câmera na mão e uma idéia na cabeça" foi cunhada por Saraceni em 1961. Na virada do milênio, o cineasta participa de uma espécie de cinema novo 2.0, em que a numeração é uma alusão bem-humorada aos códigos usados para diferenciar versões de programas de computador.
"Tanto tempo depois de minha primeira obra, a essência é a mesma. Fazer filmes baratos, com inventividade e arte. O que muda é o equipamento", analisa.
Carneiro, por sua vez, conta que está se divertindo com os novos "brinquedos". "A câmera leve tem um outro balanço. As pessoas tendem a não achá-la profissional, então coloco-a sobre um tripé enorme para impor respeito." "A tradição do cinema brasileiro não é produzir esses "Orfeus", que são caros, feitos para disputar Oscar. O problema está em fazer filmes dentro da realidade brasileira", afirma Saraceni.
E fazer "Banda de Ipanema" em vídeo digital é uma enorme economia. O projeto, inicialmente imaginado para ser feito em película, custaria cerca de R$ 2,1 milhão. Em vídeo, o custo cai para cerca de R$ 700 mil, incluindo a campanha publicitária.
"Não nego ter um apego à película. Abandoná-la é como perder um amigo. Mas as coisas mudam", diz, em tom confessional.
Mas, em seguida, se rende à praticidade. "Hoje, viajo para os festivais com umas seis latas de filme. Vai chegar um momento em que vou carregar um cartuchinho com o meu filme no bolso. Ao menos será mais prático."
Ele diz que fora da indústria norte-americana é comum cineastas fazerem filmes com recursos que barateiam a produção. "No ano passado, vi um filme do Nepal feito em vídeo que era paupérrimo. Amei cada fotograma."
Saraceni não parece ter medo da forma como o futuro se anuncia. Ao contrário, faz previsões. "Logo, os cinemas vão ser dominados por projetores sem películas. Isso deve ser até mais fácil de fazer aqui no Brasil do que lá fora, onde há enormes corporações interessadas em manter os cinemas do mesmo jeito por muito tempo. Nesse futuro, a película vai ser uma opção artística. Quem sabe, então, eu não volto para ela?"
A técnica de seu novo filme é a mesma usada em obras como "A Bruxa de Blair", "Os Idiotas", "Festa de Família" e na nova obra de Wim Wenders, "Buena Vista Social Club", cineastas muito mais novos do que a dupla de cinemanovistas. Isso significa que se Saraceni e Carneiro não estão em boa companhia, pelo menos vão pelo caminho certo.


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