São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2001
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Tonia Carrero, Glória Menezes, Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho e Adriane Galisteu debatem Modelos de atriz
VALMIR SANTOS DA REPORTAGEM LOCAL Nathalia Timberg, 67, e Adriane Galisteu, 27, têm madrinha comum no teatro: Bibi Ferreira. A primeira debutou em 54, com "Senhora dos Afogados", de Nelson Rodrigues. A segunda, em 99, com "Deus lhe Pague", de Joracy Camargo. Ambas com a assinatura de Bibi na direção. |
Folha - Qual a definição de cada
uma sobre o ofício de atriz?
Tonia Carrero - Olha, eu estou
descobrindo. Só tenho 50 anos de
teatro... Estou fazendo uma ironia
leve, mas na realidade a gente está
sempre começando. Por exemplo, estou fazendo Tchecov pela
primeira vez na vida. Foi difícil.
Fiquei um mês lutando por uma
determinada cena. Quando a resolvi, senti um bem-estar tão
grande. Para mim, o mais importante na carreira, hoje, é o autor.
Nós temos de servi-lo melhor que
nós mesmos.
Nathalia Timberg - Ouvindo Tonia, eu estava ouvindo aquilo que
faz o alicerce de nós todas, dessa
geração pelo menos, que é o respeito à obra, uma coisa que facilmente passam por cima nos dias
de hoje. Acho que o teatro como
literatura dramática, assim como
a proposta do ator e de todos, tem
de se colocar a serviço da obra.
Na arte, você não tem apostila.
Para ser ator, pintar, compor, interpretar uma música, criar uma
coreografia, enfim, para tudo você precisa de um instrumento. E,
no teatro, o ator é o instrumento.
Então, o conhecimento desse instrumento é eterno.
Adriane Galisteu - Se vocês estão
aprendendo a cada dia, eu não
nasci ainda. Devia pagar para estar aqui, tendo uma aula com vocês. Só estive no palco uma vez,
convidada pela Bibi. Fiz sem nenhuma pretensão de arrebentar,
de ser uma atriz, porque a minha
praia é apresentar programa de
televisão. Mas eu gosto de teatro,
acho que ele perdeu muito espaço. Eu falo com público adolescente e acho que ele, hoje em dia,
prefere ir ao cinema, mil vezes, a ir
ao teatro, por falta de informação,
de cultura...
Glória Menezes - De dinheiro...
Rosamaria Murtinho - Mas eles
vão para os barzinhos...
Adriane - Só que o teatro é barato, não concordo que seja só por
dinheiro. Isso é falta de informação. Antigamente, eu escutava
minha mãe falar que ia ao teatro,
era o grande evento. Ela se arrumava, ia de luva ao teatro. Hoje
em dia, o teatro é levado de uma
forma muito ignorante, entre aspas. Acho isso um pecado.
Tonia - Você tem idéia do porquê está aqui hoje?
Adriane - Não tenho dúvidas de
que estou aqui, primeiro, pela curiosidade do jornalista... Acho
que rolou um preconceito muito
grande com minha chegada ao
palco e eu estou acostumada com
preconceito, acho que é o maior
defeito do ser humano. Assumo-me como novata, mas me dedico
muito, faço com dignidade. Tenho uma autocrítica que é bem
suficiente e, se eu não estivesse segura, jamais faria. Se tem alguém
que está se expondo muito, sou
eu. O espetáculo vai funcionar comigo ou "sem migo". E papel de
ridícula eu não quero fazer.
Comecei pela Bibi, depois recebi
um convite de Paulo Autran, que
me viu em "Deus lhe Pague" e
gostou muito, falou que um dia eu
iria trabalhar com ele...
Nathalia - Você está em boas
mãos, nas mãos de um mestre...
Tonia - É bom que saiba que a
gente bota fé em você...
Rosamaria - Como você, Adriane, eu também tenho muita autocrítica. Gosto muito de saber os limites, até para poder ultrapassá-los. E quem vai lhe ensinar é realmente o público, é ele que vai te
dar a noção de quando esperar
um pouco, quando tem de dar um
pouco mais de ritmo. Não é como
a televisão, onde você pode voltar
quantas vezes quiser...
Nathalia - Na televisão, tem alguém que edita...
Tonia - Paulo Autran dizia uma
coisa muito engraçada: o teatro é
profissão do ator, o cinema é do
diretor e a televisão é do patrocinador (risos).
Nathalia - Na televisão, a câmara
vem te buscar, pega teu olho, tua
pupila e o que tem dentro. Já no
palco, o teu olho é aqui (põe a
mão na altura do tórax) e lá atrás
(aponta para as costas). Você tem
de interpretar numa dimensão
que atravesse a sala inteira.
Glória - E sem exagerar....
Rosamaria - Bom, deixem eu terminar de falar sobre o ofício, porque isso aqui já virou um papo,
né? (risos)
Glória - Vamos deixar a Rosinha
terminar...
Rosamaria - Uma coisa importante é a formação de platéia. A
gente não pode querer que a juventude vá ao teatro se não existe
um público formado. E essa iniciativa tem de ser política, tem de
partir do governo. O teatro infantil pode ajudar muito, levando a
criança a gostar de teatro...
Nathalia - Depende, tem de ser
teatro infantil bem-feito, senão
destrói em vez de formar platéia...
Glória - Bem, eu tenho muito
pouco o que falar. Concordo plenamente com a soma de todas vocês. Mas queria dizer que, nessa
montagem mais recente, levei
uma porretada na cabeça e desaprendi tudo, comecei uma vida
nova como atriz. Talvez até simbolicamente, ao raspar a cabeça,
foi um recomeço. Um recomeço
como gente, um recomeço com
muita humildade.O ator se empavoa um pouco, às vezes, e atrapalha o seu próprio talento ao não
deixá-lo fluir, cria uma parede
que não ultrapassa...
Rosamaria - Só se exibe, né?
Glória - Exatamente.
Tonia - Mas a humildade não
vem só de você raspar a cabeça...
Glória - Tonia, eu estou falando
simbolicamente. Você me conhece há anos. De repente, eu comecei a ver por outro ângulo que me
favoreceu como ser humano.
Uma coisa que gostaria de te
perguntar, Adriane, é se você não
pretende ser atriz, não tem a vocação de atriz?
Adriane - Não que eu não tenha
vocação, mas a partir do momento em que eu subi ao palco e me
adaptei, vi que o palco é diferente
da televisão. Eu tive uma experiência em novela ("Xica da Silva", 96) que detestei e não quero
mais fazer, fiquei traumatizada.
A gente está falando aqui de talento, de generosidade, de humildade, enfim, tudo que não tiveram comigo. Colocaram-me numa jaula de leões simplesmente
pelo meu corpinho. Mas graças a
Deus me caiu a ficha. Foi uma cilada, com todo respeito ao diretor
(Walter Avancini).
Nathalia - Há quem procure o
teatro como procuraria a pintura,
por necessidade de expressão, esses são os artistas. E há aqueles
que procuram por necessidade de
exibição, do glamour com o qual a
imprensa às vezes nos envolve.
Tonia - Qualquer artista, ator ou
atriz, que pinta, enfim, o que ele
quer é ser amado, é se expressar e
ser entendido pelo outro, quer
aplauso. É exibido, sim, mas também quer ser amado.
Nathalia - Mas a exibição como
meio, não como fim.
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