São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2001

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Tonia Carrero, Glória Menezes, Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho e Adriane Galisteu debatem

Modelos de atriz


Intérpretes de gerações distintas, que atuam na TV e no teatro, elas falam sobre o ofício


Lenise Pinheiro/Folha Imagem
A partir da esquerda, as atrizes Glória Menezes, Nathalia Timberg, Adriane Galisteu (atrás), Tonia Carreiro e Rosamaria Murtinho, que reuniram-se a convite da Folha


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Nathalia Timberg, 67, e Adriane Galisteu, 27, têm madrinha comum no teatro: Bibi Ferreira. A primeira debutou em 54, com "Senhora dos Afogados", de Nelson Rodrigues. A segunda, em 99, com "Deus lhe Pague", de Joracy Camargo. Ambas com a assinatura de Bibi na direção.


Separadas por gerações que encaram o teatro de forma distinta -Cacilda Becker (1921-69), uma atriz-modelo, mito para quem a viu no palco e para quem a vê nas imagens do passado, não sucumbiria à era da superexposição de modelos-atrizes-, Nathalia e Adriane aceitaram convite da Folha para falar do ofício.
Também aceitaram o debate as atrizes Tonia Carrero, 78, Glória Menezes, 65, e Rosamaria Murtinho, 64. O encontro ocorreu na tarde do último dia 8, domingo, no hotel Renaissance, em São Paulo. O clima foi descontraído.
Quatro das intérpretes estão em temporada na cidade: Glória ("Jornada de um Poema", de Margaret Edson), Tonia ("Jardim das Cerejeiras", de Tchecov), Nathalia e Rosamaria (as duas em "Letti e Lotte", de Peter Shaffer, aliás dirigidas por Bibi).
Adriane estréia a segunda peça da carreira no dia 9 de março ("Dia das Mães", de Jeff Baron), dessa vez apadrinhada por Paulo Autran, que assume a direção.

Folha - Qual a definição de cada uma sobre o ofício de atriz?
Tonia Carrero -
Olha, eu estou descobrindo. Só tenho 50 anos de teatro... Estou fazendo uma ironia leve, mas na realidade a gente está sempre começando. Por exemplo, estou fazendo Tchecov pela primeira vez na vida. Foi difícil. Fiquei um mês lutando por uma determinada cena. Quando a resolvi, senti um bem-estar tão grande. Para mim, o mais importante na carreira, hoje, é o autor. Nós temos de servi-lo melhor que nós mesmos.

Nathalia Timberg - Ouvindo Tonia, eu estava ouvindo aquilo que faz o alicerce de nós todas, dessa geração pelo menos, que é o respeito à obra, uma coisa que facilmente passam por cima nos dias de hoje. Acho que o teatro como literatura dramática, assim como a proposta do ator e de todos, tem de se colocar a serviço da obra.
Na arte, você não tem apostila. Para ser ator, pintar, compor, interpretar uma música, criar uma coreografia, enfim, para tudo você precisa de um instrumento. E, no teatro, o ator é o instrumento. Então, o conhecimento desse instrumento é eterno.

Adriane Galisteu - Se vocês estão aprendendo a cada dia, eu não nasci ainda. Devia pagar para estar aqui, tendo uma aula com vocês. Só estive no palco uma vez, convidada pela Bibi. Fiz sem nenhuma pretensão de arrebentar, de ser uma atriz, porque a minha praia é apresentar programa de televisão. Mas eu gosto de teatro, acho que ele perdeu muito espaço. Eu falo com público adolescente e acho que ele, hoje em dia, prefere ir ao cinema, mil vezes, a ir ao teatro, por falta de informação, de cultura...

Glória Menezes - De dinheiro...

Rosamaria Murtinho - Mas eles vão para os barzinhos...

Adriane - Só que o teatro é barato, não concordo que seja só por dinheiro. Isso é falta de informação. Antigamente, eu escutava minha mãe falar que ia ao teatro, era o grande evento. Ela se arrumava, ia de luva ao teatro. Hoje em dia, o teatro é levado de uma forma muito ignorante, entre aspas. Acho isso um pecado.

Tonia - Você tem idéia do porquê está aqui hoje?

Adriane - Não tenho dúvidas de que estou aqui, primeiro, pela curiosidade do jornalista... Acho que rolou um preconceito muito grande com minha chegada ao palco e eu estou acostumada com preconceito, acho que é o maior defeito do ser humano. Assumo-me como novata, mas me dedico muito, faço com dignidade. Tenho uma autocrítica que é bem suficiente e, se eu não estivesse segura, jamais faria. Se tem alguém que está se expondo muito, sou eu. O espetáculo vai funcionar comigo ou "sem migo". E papel de ridícula eu não quero fazer.
Comecei pela Bibi, depois recebi um convite de Paulo Autran, que me viu em "Deus lhe Pague" e gostou muito, falou que um dia eu iria trabalhar com ele...

Nathalia - Você está em boas mãos, nas mãos de um mestre...

Tonia - É bom que saiba que a gente bota fé em você...

Rosamaria - Como você, Adriane, eu também tenho muita autocrítica. Gosto muito de saber os limites, até para poder ultrapassá-los. E quem vai lhe ensinar é realmente o público, é ele que vai te dar a noção de quando esperar um pouco, quando tem de dar um pouco mais de ritmo. Não é como a televisão, onde você pode voltar quantas vezes quiser...

Nathalia - Na televisão, tem alguém que edita...

Tonia - Paulo Autran dizia uma coisa muito engraçada: o teatro é profissão do ator, o cinema é do diretor e a televisão é do patrocinador (risos).

Nathalia - Na televisão, a câmara vem te buscar, pega teu olho, tua pupila e o que tem dentro. Já no palco, o teu olho é aqui (põe a mão na altura do tórax) e lá atrás (aponta para as costas). Você tem de interpretar numa dimensão que atravesse a sala inteira.

Glória - E sem exagerar....

Rosamaria - Bom, deixem eu terminar de falar sobre o ofício, porque isso aqui já virou um papo, né? (risos)

Glória - Vamos deixar a Rosinha terminar...

Rosamaria - Uma coisa importante é a formação de platéia. A gente não pode querer que a juventude vá ao teatro se não existe um público formado. E essa iniciativa tem de ser política, tem de partir do governo. O teatro infantil pode ajudar muito, levando a criança a gostar de teatro...

Nathalia - Depende, tem de ser teatro infantil bem-feito, senão destrói em vez de formar platéia...

Glória - Bem, eu tenho muito pouco o que falar. Concordo plenamente com a soma de todas vocês. Mas queria dizer que, nessa montagem mais recente, levei uma porretada na cabeça e desaprendi tudo, comecei uma vida nova como atriz. Talvez até simbolicamente, ao raspar a cabeça, foi um recomeço. Um recomeço como gente, um recomeço com muita humildade.O ator se empavoa um pouco, às vezes, e atrapalha o seu próprio talento ao não deixá-lo fluir, cria uma parede que não ultrapassa...

Rosamaria - Só se exibe, né?

Glória - Exatamente.

Tonia - Mas a humildade não vem só de você raspar a cabeça...

Glória - Tonia, eu estou falando simbolicamente. Você me conhece há anos. De repente, eu comecei a ver por outro ângulo que me favoreceu como ser humano.
Uma coisa que gostaria de te perguntar, Adriane, é se você não pretende ser atriz, não tem a vocação de atriz?

Adriane - Não que eu não tenha vocação, mas a partir do momento em que eu subi ao palco e me adaptei, vi que o palco é diferente da televisão. Eu tive uma experiência em novela ("Xica da Silva", 96) que detestei e não quero mais fazer, fiquei traumatizada.
A gente está falando aqui de talento, de generosidade, de humildade, enfim, tudo que não tiveram comigo. Colocaram-me numa jaula de leões simplesmente pelo meu corpinho. Mas graças a Deus me caiu a ficha. Foi uma cilada, com todo respeito ao diretor (Walter Avancini).

Nathalia - Há quem procure o teatro como procuraria a pintura, por necessidade de expressão, esses são os artistas. E há aqueles que procuram por necessidade de exibição, do glamour com o qual a imprensa às vezes nos envolve.

Tonia - Qualquer artista, ator ou atriz, que pinta, enfim, o que ele quer é ser amado, é se expressar e ser entendido pelo outro, quer aplauso. É exibido, sim, mas também quer ser amado.

Nathalia - Mas a exibição como meio, não como fim.


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