São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2001

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TEATRO/CRÍTICA

"Em Lugar Algum" sintetiza a estranheza do outro

KIL ABREU
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Tempo de Despertar", a obra do neurologista Oliver Sacks adaptada para o teatro por Silvana Garcia, mostra o "renascimento" de pacientes vitimados pela "doença do sono". Pessoas às vezes imobilizadas totalmente, em um tempo e em um lugar quaisquer, ou divididas entre períodos de apatia e de comportamento convulsivo.
"Em Lugar Algum", a encenação desses relatos, traz ao palco o desafio de criar formas cênicas objetivas para traduzir aspectos obtusos do inconsciente.
A condição de vítimas de um mal inexplicável e a esperança diante de artifícios que apontem a cura localizam os personagens quase na dimensão do mito trágico. Aparentemente penalizados pelo destino, eles ocupam o posto de objetos da empatia e compaixão da platéia. Mas, embora um ou outro esbarre em questões de ordem moral ou mítica, é a ciência como instrumento de intervenção no inconsciente o que de fato nos mobiliza. É ela o argumento incerto, mas possível, diante do desconhecido.
A encenação de Beth Lopes procura representar o descompasso entre a quase falência física e a vigorosa energia intelectual dos pacientes por meio de uma linguagem altamente gestualizada. Os atores transitam entre a descrição literal e a estilização do comportamento, evitando estereótipos.
Em algumas passagens, no entanto, é claro o desacerto entre o rigor das ações físicas e vocais e a geração dos sentidos, das leituras possíveis frente aos conflitos vividos pelos personagens. É inevitável que esperemos, de histórias que pretendem dar conta de um universo psicológico inexato, complexo, nublado, uma leitura que nos localize diante desses estados, sob o risco de testemunharmos não mais que a simples descrição dos mesmos.
Os recursos plásticos da cena, por exemplo, quase que definidos na evolução corporal dos atores no espaço, criam uma bonita e tensa simetria, mas às vezes se sobrepõem aos momentos mais delicados da narrativa.
A favor da montagem estão ainda a síntese e a simplicidade na adaptação dos relatos, que nos dão o mirante seguro de onde é possível observar a estranheza do outro, sua miséria e sua violenta capacidade de resistência.



Em Lugar Algum
   
Direção: Beth Lopes
Com: Ana Gallotti, Eduardo de Paula, Mara Leal e outros
Onde: Cultura Inglesa de Pinheiros (r. Dep. Lacerda Franco, 333, tel. 0/xx/11/ 3039-0500)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h
Quanto: R$ 1 (sex.) e R$ 10 (sáb. e dom.)




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