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"UMA CÂMERA VÊ CASCUDO"
Fotos expõem a intimidade do folclorista brasileiro
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Carlos Lyra é um excelente
fotógrafo de Natal que desfrutou do imenso privilégio de ter
sido aluno, desde os idos de 1959,
do professor Luis da Câmara Cascudo na Faculdade de Filosofia do
Rio Grande do Norte.
"Serei professor até depois de
morto". Esta frase dele diz tudo.
Sua obra monumental talvez seja
a maior didática que já existiu na
América Latina, com os seus cerca
de 150 livros, escritos todos à máquina e diretamente no papel.
Além disso, o professor não tinha secretário nem datilógrafo,
era indiferente a prêmios e consagrações, trabalhava sozinho, era
autodidata e se consagrou sem
método e sem se alistar em nenhuma doutrina.
Carlos Lyra, homem de sorte,
foi lá na casa de Luis da Câmara
Cascudo e o fotografou na intimidade: charutão na boca, de pijama, sem camisa, brincando com
os netos, abraçado pela mulher-
D. Dahia-, sendo pintado num
retrato por uma freira, deitado na
rede de dormir, tocando piano,
discursando de braços abertos, fazendo caretas, estudando em sua
biblioteca ("babilônia", como ele
próprio a denominou).
Essas fotografias revelam o que
os seus livros mostram: Câmara
Cascudo foi um desbundado, um
homem livre, um filósofo que
amava como ninguém o povo
brasileiro.
Ele recebia quem quer que fosse
em sua casa, mas só depois do
meio-dia, hora em que acordava.
Tinha o hábito de estudar até altas
horas da madrugada. Todo mundo sabia disso em Natal. Até porteiro de hotel. O mestre só recebe
à tarde.
Na década de 80, certa vez fui visitá-lo. Lance para mim inesquecível. Sua mulher cuidando dos
passarinhos e ele sentado na cadeira de balanço comendo rebuçado. Genial mesmo é que não me
ofereceu nenhum doce. Ficou na
dele.
Saí de lá como se tivesse fechado
o corpo no catimbó, aliás foi o que
fez Mário de Andrade em 1928.
Pouca gente sabe na literatura
brasileira que Macunaíma é Luis
da Câmara Cascudo.
Natal e a Segunda Guerra
Em 1945, durante a Segunda
Guerra Mundial, Natal era base
dos aliados. É bem possível que
Hitler estivesse a fim de aprontar
alguma lá. Natal, cidade militarmente estratégica.
Informa Carlos Lyra: "Na época
da guerra, quando havia blecaute,
a única sala iluminada da cidade,
na Praça Sete de Setembro, era a
biblioteca de Câmara Cascudo,
permissão do comando militar".
Esse fato, que está a merecer um
filme, é para mim a coisa mais
emocionante da Segunda Guerra
Mundial. Walter Lima Jr. foi o
único cineasta que fez um filme
sobre Cascudo vivo. Uma obra-prima. Ricardo Miranda o filmou
depois de morto. É impressionante a identidade de Natal com Cascudo. Percebe-se isso nos botecos,
nas ruas e até na água da praia,
embora ele não soubesse nadar.
O fotógrafo Carlos Lyra conseguiu retratar a atmosfera da criação cascudiana feita no silêncio da
noite. Seu último livro iria se chamar "Antes da Noite".
Mas não deu tempo. A safada da
morte o pegou em 30 de julho de
1986. Baixou um imenso vazio em
Natal, no Nordeste, no Brasil, onde a morte não baila.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "Glauber Pátria Rocha Livre" (ed.
Senac), entre outros
Uma Câmera Vê Cascudo
Autor: Carlos Lyra
Editora: Sebo Vermelho
Quanto: R$ 25 (65 págs.)
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