São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2007

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FABIO DE SOUZA ANDRADE

Poetas aos pares ( 1 )

Leitor de Régis Bonvicino, Manoel Ricardo carrega o gosto pelo construtivo, por agitação cultural e hibridismo

QUASE homônimos, quase antípodas -um paulista, outro piauiense dividido entre o Ceará e Santa Catarina, um jornalista, outro professor-, Ricardo Lima (Jardinópolis, SP, 1966) e Manoel Ricardo de Lima (Parnaíba, PI, 1970) dividem, na poesia, um interesse pelo tempo, pelo silêncio, pelos ruídos da experiência e o apagamento do sujeito. Mas desta matéria comum fazem brotar linguagens muito diversas, fruto de visões incomunicantes da literatura, convivendo, sem atrito, na diversidade contemporânea.
Autor de um ensaio sobre Leminski, "Entre Percurso e Vanguarda" (AnnaBlume, 2002), leitor de Régis Bonvicino, Manoel Ricardo carrega o gosto pelo construtivo, pela agitação cultural (edita coleção de ensaios para a Lumme e escreve regularmente n'O Povo, de Fortaleza) e pelo hibridismo. Seu "Falas Inacabadas" (2000) trabalha na fronteira das artes: mescla, num livro-objeto assinado em colaboração com Elida Tessler, registros de instalações e um poema que duplica e comenta, página impressa que se reconhece espaço, o silêncio loquaz de objetos, vestígio de presenças ("Aparentar da solidão/ as sombras/: /sobra coisas/ a sobra das coisas// Trazer da sombra/ o que se / istma").
Já "As Mãos", de 2003, reeditado agora em versão bilíngüe, é uma peça de prosa (lírica) do encerramento que, curiosamente, foge a este rigor construtivo e se faz a partir de uma inflação do eu. Tempo, silêncio e experiência comparecem aqui num inventário de fim de caso, em que o ânimo elegíaco do narrador solitário, confinado num apartamento que é metonímia de um passado próximo, mas perdido, se alimenta dos avessos. O ritmo do texto, tateante e obsessivo, quer trazer as memórias -a plenitude do desejo, a miragem do encontro- ao alcance das mãos. Daí, a cartografia minuciosa e espiralada de corredores e quartos vazios: "Lâmpadas apagadas, queimadas, duas portas para a direita, para a esquerda uma outra, a do banheiro, na toalha azul o cheiro molhado dEla, do rosto dEla".
O contraste entre a concretude das lembranças e o mundo lá fora (onde, da janela, hoje, divisa apenas dois velhos murchos, mãos inertes, mas situa, antes, o cenário de sua história desfeita) sugere que a vida continua apenas entre as paredes, as ruas, o sol e o meio-fio desistentes do tempo futuro, recolhidos a portas fechadas. A sintaxe a meio caminho entre a prosa e a poesia funciona nesta fábula da incomunicabilidade, em que o silêncio alimenta o vórtice verbal e a melancolia, um excesso de vitalidade, mesmo que voltada para trás (às vezes, contrariando e suavizando demais a disposição inventariante do narrador).
Outro é o ânimo do mais recente livro de Ricardo Lima, "Impuro Silêncio. Poemas: 2000-2004" (Azougue Editorial), ceifando os excessos em torno de imagens mínimas, em que melancolia e negatividade se condensam, relegando o sujeito a discreto segundo plano.


AS MÃOS/THE HANDS    
Autor: Manoel Ricardo de Lima
Tradução: Antonio S. Bessa
Editora: Lumme Editor
Quanto: não informado (68 págs.)


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