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FABIO DE SOUZA ANDRADE
Poetas aos pares ( 1 )
Leitor de Régis Bonvicino, Manoel Ricardo carrega o gosto pelo construtivo, por agitação cultural e hibridismo
QUASE homônimos, quase antípodas -um paulista, outro
piauiense dividido entre o
Ceará e Santa Catarina, um jornalista, outro professor-, Ricardo Lima
(Jardinópolis, SP, 1966) e Manoel
Ricardo de Lima (Parnaíba, PI,
1970) dividem, na poesia, um interesse pelo tempo, pelo silêncio, pelos ruídos da experiência e o apagamento do sujeito. Mas desta matéria
comum fazem brotar linguagens
muito diversas, fruto de visões incomunicantes da literatura, convivendo, sem atrito, na diversidade contemporânea.
Autor de um ensaio sobre Leminski, "Entre Percurso e Vanguarda" (AnnaBlume, 2002), leitor de
Régis Bonvicino, Manoel Ricardo
carrega o gosto pelo construtivo, pela agitação cultural (edita coleção de
ensaios para a Lumme e escreve regularmente n'O Povo, de Fortaleza)
e pelo hibridismo. Seu "Falas Inacabadas" (2000) trabalha na fronteira
das artes: mescla, num livro-objeto
assinado em colaboração com Elida
Tessler, registros de instalações e
um poema que duplica e comenta,
página impressa que se reconhece
espaço, o silêncio loquaz de objetos,
vestígio de presenças ("Aparentar
da solidão/ as sombras/: /sobra coisas/ a sobra das coisas// Trazer da
sombra/ o que se / istma").
Já "As Mãos", de 2003, reeditado
agora em versão bilíngüe, é uma peça de prosa (lírica) do encerramento
que, curiosamente, foge a este rigor
construtivo e se faz a partir de uma
inflação do eu. Tempo, silêncio e experiência comparecem aqui num inventário de fim de caso, em que o
ânimo elegíaco do narrador solitário, confinado num apartamento
que é metonímia de um passado
próximo, mas perdido, se alimenta
dos avessos. O ritmo do texto, tateante e obsessivo, quer trazer as
memórias -a plenitude do desejo, a
miragem do encontro- ao alcance
das mãos. Daí, a cartografia minuciosa e espiralada de corredores e
quartos vazios: "Lâmpadas apagadas, queimadas, duas portas para a
direita, para a esquerda uma outra, a
do banheiro, na toalha azul o cheiro
molhado dEla, do rosto dEla".
O contraste entre a concretude
das lembranças e o mundo lá fora
(onde, da janela, hoje, divisa apenas
dois velhos murchos, mãos inertes,
mas situa, antes, o cenário de sua
história desfeita) sugere que a vida
continua apenas entre as paredes, as
ruas, o sol e o meio-fio desistentes
do tempo futuro, recolhidos a portas
fechadas. A sintaxe a meio caminho
entre a prosa e a poesia funciona
nesta fábula da incomunicabilidade,
em que o silêncio alimenta o vórtice
verbal e a melancolia, um excesso de
vitalidade, mesmo que voltada para
trás (às vezes, contrariando e suavizando demais a disposição inventariante do narrador).
Outro é o ânimo do mais recente
livro de Ricardo Lima, "Impuro Silêncio. Poemas: 2000-2004" (Azougue Editorial), ceifando os excessos
em torno de imagens mínimas, em
que melancolia e negatividade se
condensam, relegando o sujeito a
discreto segundo plano.
AS MÃOS/THE HANDS
Autor: Manoel Ricardo de Lima
Tradução: Antonio S. Bessa
Editora: Lumme Editor
Quanto: não informado (68 págs.)
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