São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

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Iraniano Farhadi é favorito ao Urso de Ouro

Diretor aborda relações afetivas no aplaudido longa "Nader e Simin"

Cineasta, que está em Berlim com autorização de Ahmadinejad, diz não alterar roteiros para driblar censura no Irã

ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM

Um dia depois de ser fortemente aplaudido em Berlim, o diretor iraniano Asghar Farhadi sentia-se dividido.
Enquanto com um olho espiava as publicações que o apontavam como favorito ao Urso de Ouro, com o outro vasculhava a internet.
"Assim que cheguei a Berlim, entrei na internet para ver o que estava acontecendo. Continuo fazendo isso a todo minuto. Estou muito apreensivo", admitiu o cineasta à Folha ontem.
"Quando se está longe, sua preocupação é maior", disse, em referência aos protestos no mundo muçulmano que chegaram a Teerã.
Após exibir, na competição, o ótimo "Nader e Simin, uma Separação", Farhadi tornou-se figura concorrida.
Todos querem falar com ele sobre o filme. Mas não só. Querem saber o que tem a dizer sobre o Irã e a prisão de seu colega Jafar Panahi e entender o que o faz ter autorização de Ahmadinejad para estar na Berlinale.
"Você pode tocar nas questões políticas em diferentes níveis. A verdade é que, até agora, não houve nenhuma reação do governo contra meu filme", explica, em farsi, com a intermediação de um tradutor. "Mas ninguém sabe o que ainda pode acontecer."

TEMA UNIVERSAL
Farhadi, premiado como melhor diretor em Berlim por "Procurando Elly" (2009), tem olhar crítico sobre a sociedade. Mas não são políticos, na acepção mais comum do termo, os seus filmes.
"Nader e Simin" trata de relações afetivas e princípios morais que, de alguma maneira, dizem respeito a todos nós. É claro que a rigidez do Irã torna o divórcio mais complexo, mas Farhadi não limita seus personagens à condição social.
"Acho que pode ser interpretado como um filme sobre política, psicologia ou ética", diz. "Os divórcios têm crescido no Irã. Mas essa é uma questão de todas as sociedades. O mundo mudou muito e as noções de moral, verdade e mentira também."
Farhadi nega, porém, que limite o roteiro para escapar da censura. "Digo o que penso, mas você pode se manifestar de um modo que passe desapercebido."
Não teme ele que a visibilidade deixe seu filme na mira? "O perigo faz parte das nossas vidas. Até agora estou feliz por quase não ter tido confrontos com o governo."
O "quase" remete, dentre outras questões como o fato de não ter apoio governamental para filmar, à interrupção das filmagens de "Nader e Simin".
Ao receber um prêmio da Academia de Cinema do Irã, em 2010, ele disse, no palco, esperar que todos os cineastas do país pudessem filmar.
O governo não gostou e parou as filmagens. Mas depois de dez dias, por causa da reação da mídia, permitiram que o filme continuasse.
Sorridente, Farhadi admite que fazer filmes no Irã é uma atividade de risco. Mas pondera: "Se eu tivesse nascido num país como a Suíça, talvez não fosse um bom cineasta, talvez trabalhasse numa fábrica de chocolates".


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