São Paulo, terça, 17 de fevereiro de 1998

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Resnais e Malmros se enfrentam em Berlim

AMIR LABAKI
enviado especial a Berlim

Duas tradições distintas do cinema europeu enfrentaram-se ontem na mostra competitiva do 48º Festival de Berlim.
O francês "On Connait la Chanson" (Conhecemos Essa Música), do veterano Alain Resnais, representou a produção de ruptura, sempre empenhada em apontar alternativas ao cinema hollywoodiano dominante. Já "Barbara", do dinamarquês Nils Malmros, defendeu o filme romanesco, baseado em trama clara e inegáveis valores de produção.
Resnais aposta mais que Malmros e, mesmo se excedendo, levou a melhor. "On Connait la Chanson" é por certo seu melhor filme recente e não surpreende que tenha levado 12 indicações para o César, o Oscar francês, que será entregue no final deste mês.
O cotidiano de um punhado de personagens da classe média parisiense é comentado por meio de trechos de canções populares, dublados pelos intérpretes (Sabine Azema, Lambert Wilson, Pierre Arditi). Resnais celebra a obra de Dennis Potter (1935-1994), o mais importante escritor de telesséries e telefilmes da Inglaterra. Potter usava e abusava do efeito em programas já clássicos como "The Singing Detective" (1986).
O cineasta homenageia a arte considerada menor da música popular alçando-a ao posto de coro da trama que serviu à psicologia behavourista em "Meu Tio da América" (1980). A ciranda romântica do entrecho serve impecavelmente ao propósito.
O resultado lembra "Todos Dizem Eu Te Amo" (1996), de Woody Allen, e dialoga em sua origem com "Veja Esta Canção" (1994), de Carlos Diegues. Pena que tudo se alongue demais e termine de forma burocrática. Tem razão o crítico italiano Roberto Silvestri, do "Il Manifesto": o filme estava condenado a ter a duração de ao menos dois CDs.
"Barbara", por seu turno, é o cinemão com grife. Malmros adapta o romance homônimo de um dos mais importantes escritores dinamarqueses deste século, Jorgen-Frantz Jacobseb (1900-38). Totalmente passado nas Ilhas Faroe, do Atlântico Norte, o filme acompanha a força destruidora das paixões da volúvel Barbara, viúva duas vezes já aos 28 anos.
Assiste-se, em fins do século 18, ao velho embate sexo versus moral protestante. Não há espaço para surpresas, mas Malmros conduz tudo com segurança e fluidez, e Anneke vom der Lippe, no papel principal, torna palpável o poder sedutor do personagem. É mais uma candidata ao prêmio de melhor atriz, que tem Fernanda Montenegro ("Central do Brasil") como uma das favoritas.
O presidente do júri, Ben Kingsley, defendeu enfaticamente em entrevista o cinema europeu. Louvou ainda a importância da renovação. Cumprida metade da disputa, fica cada vez mais difícil ao Urso 98 seguir esse figurino.



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