São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 2000


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"HURRICANE - O FURACÃO" - CRÍTICA
Washington paira acima de filme maniqueísta

AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas


O drama anti-racista "Hurricane - O Furacão" tem sido criticado pelas razões erradas.
Sua estréia nos EUA, bem ao final do ano passado, foi acompanhada por inúmeras restrições à excessiva liberdade tomada frente a história real que procura contar, a do pugilista negro Rubin "Hurricane" Carter, injustamente encarcerado por quase 20 anos devido a um duplo assassinato.
Carter foi preso em 1967, plena primavera das contestações pró-igualdade de direitos nos EUA. Inspirou passeatas e até uma canção clássica de Bob Dylan, presente na trilha do filme (leia texto ao lado).
O veterano diretor Norman Jewison elegeu a saga de Carter para encerrar sua trilogia sobre o racismo nos EUA (leia texto abaixo).
O trio rola ladeira abaixo. "No Calor da Noite", Oscar de melhor filme de 1967, é até hoje um eficiente drama policial sobre o choque entre um detetive negro (Sidney Poitier) e o xerife branco (Rod Steiger) numa cidadela sulista. Algo supervalorizado, mas eficiente, sobretudo devido à empatia de um Poitier no auge do carisma.
Quase duas décadas mais tarde, Jewison repetia a fórmula em "A História de um Soldado" (1984), sobre uma investigação semelhante por um militar negro (Howard Rollins Jr.) numa base sulista durante a Segunda Guerra. O esquematismo crescia na ordem inversa da dramaticidade.
Eis agora este "Hurricane - O Furacão".
A trama original era de longe a mais rica do tríptico e Rubin Carter, um personagem com uma complexidade de raro potencial estético.
A grande traição de Jewison está nas extraordinárias possibilidades da história original -e não na mera verdade dos fatos.
Sim, "Hurricane" nos oculta que Carter já tinha antecedentes criminais antes da prisão do assassinato.
Certo, o roteiro minimiza o trabalho de seus advogados americanos, em favor da militância de três canadenses de bom-coração.
OK, a estrutura do filme deve mais a uma reportagem não-creditada da "Sports Ilustrated" que aos livros citados como fontes oficiais, incluindo a autobiografia do próprio Carter.
"Hurricane" transforma tudo quase que num jogo de damas, em que as peças pretas são as boas e as brancas, as inimigas -exceto quando auxiliam as negras.
Um filme programaticamente anti-racista como que inverte a equação -por exemplo na caricatura malévola de um policial ítalo-americano que persegue Carter (Dan Hedaya).
Reconheça-se, contudo, que "Hurricane" tem sido elogiado pela razão justa.
Denzel Washington paira acima da mediocridade do filme num desempenho eletrizante como Rubin Carter. É convincente tanto como um jovem boxeador em plena forma quanto como o precoce ancião forjado por décadas de injustiça.
Nada que surpreenda em Washington, um dos intérpretes mais completos a alugar seu talento hoje para Hollywood.
Já detentor de um Oscar de coadjuvante por "Tempo de Glória" (1989), tem agora sua terceira chance de levar um estatueta na categoria principal.
Estava melhor em "Um Grito de Liberdade" (1987) e melhor ainda no subestimado "Malcolm X" (1992). Mas a Academia tem uma lógica toda própria e sua vez parece ser agora. É menos do que ele merece e muito mais do que "Hurricane" deveria almejar.


Avaliação:  


Filme: Hurricane - O Furacão (Hurricane) Diretor: Norman Jewison Produção: EUA, 1999 Com: Denzel Washington, Vicellous Reon Shannon e Deborah Kara Unger Quando: a partir de hoje, no Morumbi 1, Studio Alvorada 2 e circuito


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