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"Hans Staden" mostra os dentes nos cinemas
Divulgação
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Carlos Evelyn na pele do pesquisador Hans Staden, no filme homônimo de Luiz Alberto Pereira |
Relato do viajante que quase virou banquete dos índios, de Luiz Alberto Pereira, chega aos cinemas paulistas
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PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha
O viajante Hans Staden, segundo seu próprio relato, teria apelado ao poder divino para se livrar
da voracidade dos índios brasileiros. O acaso -o que para ele seria
o tal milagre- deu-lhe a chance
de sair ileso do contato com os nativos e escrever "Duas Viagens ao
Brasil", publicado em 1557.
Pois o "terrible", desbocado e
revoltado cineasta Luiz Alberto
Pereira levou a cabo a transposição para as telas das tais desventuras de Staden.
Não arriscou a sorte no poder
superior. Preferiu a certeza do R$
1,7 milhão e o apoio de uma equipe de primeira, que até se mobilizou para aprender português arcaico, tupi e francês.
Esse realismo teve peso na construção da aldeia indígena, talvez a
maior empreitada do filme. Levou de maio de 96 a agosto de 97,
exigindo que canos, esgoto e fiação fossem subterrâneos.
A famigerada caravela não faltou. Uma réplica em tamanho
real -portuguesa e que chegará
ao Brasil agora, nos 500 anos do
Descobrimento- fez a equipe visitar Portugal por dez dias.
Na aldeia cenográfica, as filmagens duraram 32 dias. A mixagem
fez os rolos de filmes gravados
cruzarem a América até o México.
O resultado é "Hans Staden",
filme que junta um pouco o aspecto documental de "Jânio a 24
Quadros" com o caráter narrativo
dos escritos do explorador da região de Hesse, na atual Alemanha.
Na estética, lembra um pouco
"Aguirre - A Cólera dos Deuses",
de Werner Herzog.
Pereira evitou trucagens e optou por ações diretas, como afirma em entrevista à Folha, em que
fala também da semelhança entre
"The Truman Show" e seu longa
"O Efeito Ilha", e diz ter pensado
em processar os produtores norte-americanos por "chuparem"
sua idéia.
Folha - Parece que a maior virtude de "Hans Staden" é o realismo.
Luiz Alberto Pereira - Não diria
maior, mas grande virtude. Mas
minha idéia foi transpor para a tela algo nunca feito antes, mostrando como era de fato o Brasil
do século 16. Meus índios estão
nus como os daquela época. Não
usam as sunguinhas de penas que
os da Globo vestem. As cores das
penas que os índios utilizavam foram mantidas. Até as chuvas foram verdadeiras, lá em Ubatuba.
Nada de filme tropicalista, coloridão. Contratamos também um
professor que até gramática tupi
ensinou para os meus atores, e
eles conseguiram me contar piadas em tupi.
Folha - Aprenderam rápido?
Pereira - Enquanto construíamos a aldeia. Só Stênio Garcia
causou um pouco de dificuldade.
Ele é ótimo ator, mas não estava
com muita paciência para aprender a língua. Ele vinha das filmagens de "Menino Maluquinho 2".
Folha - Você evita o tom alegórico em seu filme. Você acha
que o cinema brasileiro cai demais no vício da alegorização?
Pereira - Acho a alegoria uma
síndrome do modernismo que
afasta o público. A alegoria só tem
de ser usada em alguns momentos e em alguns filmes. Pior ainda
são essas alegorias óbvias, pois já
que é para fazê-las, são para pirar.
Folha - Hans muda de identidade, como de máscaras. Tem
muito a ver com o homem de
hoje, não?
Pereira - Você pegou um aspecto legal. Ele tinha que vestir a máscara de francês e português para
sobreviver. Isso lembra muito a
gente, pois vestimos máscaras para nos mantermos dentro de um
determinado grupo.
Folha - Houve um problema
com a censura de "Hans Staden", em princípio liberado apenas para maiores de 14 anos.
Disseram que você ficou irritado
com o presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Pereira - Mais com quem autorizou a tal censura. Meu filme foi
censurado por conter cenas de
violência e de nudez. No caso, um
banquete em que os índios comem carne humana. Ora, várias
crianças já assistiram em pré-estréia e gostaram muito de "Hans
Staden". Até vai ser exibido em
escolas. Ou seja, era para ser livre.
Folha - O seu penúltimo longa-metragem, "O Efeito Ilha",
não lembra um pouco "The Truman Show"?
Pereira - Não só lembra como a
idéia foi chupada para a produção
norte-americana. Quem me avisou que tinha um filme parecido
nos Estados Unidos foi o Rubens
Ewald. Consultei advogados que
me disseram que iria gastar muita
grana. Acabei lançando no mercado de vídeo, aproveitando o
rastro de "The Truman Show".
Fez sucesso nas prateleiras com o
nome de "The Man in the Box".
Folha - Você acha que existem
festivais de cinema sérios no
Brasil?
Pereira - Você está me perguntando isso por causa do que fiz no
último Festival de Brasília? Pois
acho este festival o mais organizado de todos. Só faltou uns 90% de
ética, neste último. Meu filme tocava nesses 500 anos de Descoberta do Brasil e só ganhou um
prêmio de consolação, nada de
dinheiro. Por isso peguei o tal Prêmio Especial do Júri pela "Excelência da Realização". O melhor
filme ganhou R$ 50 mil e eu zero.
Pois saí de lá, pus o prêmio no lixo
e fui tomar um uísque.
Folha - Você não se arrependeu disso?
Pereira - Eu me arrependi muito. Tanto que agora estou querendo dar R$ 10 para quem encontrá-lo e devolvê-lo a mim (risos).
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