São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 2000


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"Hans Staden" mostra os dentes nos cinemas

Divulgação
Carlos Evelyn na pele do pesquisador Hans Staden, no filme homônimo de Luiz Alberto Pereira



Relato do viajante que quase virou banquete dos índios, de Luiz Alberto Pereira, chega aos cinemas paulistas


PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha

O viajante Hans Staden, segundo seu próprio relato, teria apelado ao poder divino para se livrar da voracidade dos índios brasileiros. O acaso -o que para ele seria o tal milagre- deu-lhe a chance de sair ileso do contato com os nativos e escrever "Duas Viagens ao Brasil", publicado em 1557.
Pois o "terrible", desbocado e revoltado cineasta Luiz Alberto Pereira levou a cabo a transposição para as telas das tais desventuras de Staden.
Não arriscou a sorte no poder superior. Preferiu a certeza do R$ 1,7 milhão e o apoio de uma equipe de primeira, que até se mobilizou para aprender português arcaico, tupi e francês.
Esse realismo teve peso na construção da aldeia indígena, talvez a maior empreitada do filme. Levou de maio de 96 a agosto de 97, exigindo que canos, esgoto e fiação fossem subterrâneos.
A famigerada caravela não faltou. Uma réplica em tamanho real -portuguesa e que chegará ao Brasil agora, nos 500 anos do Descobrimento- fez a equipe visitar Portugal por dez dias.
Na aldeia cenográfica, as filmagens duraram 32 dias. A mixagem fez os rolos de filmes gravados cruzarem a América até o México.
O resultado é "Hans Staden", filme que junta um pouco o aspecto documental de "Jânio a 24 Quadros" com o caráter narrativo dos escritos do explorador da região de Hesse, na atual Alemanha. Na estética, lembra um pouco "Aguirre - A Cólera dos Deuses", de Werner Herzog.
Pereira evitou trucagens e optou por ações diretas, como afirma em entrevista à Folha, em que fala também da semelhança entre "The Truman Show" e seu longa "O Efeito Ilha", e diz ter pensado em processar os produtores norte-americanos por "chuparem" sua idéia.

Folha - Parece que a maior virtude de "Hans Staden" é o realismo.
Luiz Alberto Pereira -
Não diria maior, mas grande virtude. Mas minha idéia foi transpor para a tela algo nunca feito antes, mostrando como era de fato o Brasil do século 16. Meus índios estão nus como os daquela época. Não usam as sunguinhas de penas que os da Globo vestem. As cores das penas que os índios utilizavam foram mantidas. Até as chuvas foram verdadeiras, lá em Ubatuba. Nada de filme tropicalista, coloridão. Contratamos também um professor que até gramática tupi ensinou para os meus atores, e eles conseguiram me contar piadas em tupi.

Folha - Aprenderam rápido?
Pereira -
Enquanto construíamos a aldeia. Só Stênio Garcia causou um pouco de dificuldade. Ele é ótimo ator, mas não estava com muita paciência para aprender a língua. Ele vinha das filmagens de "Menino Maluquinho 2".

Folha - Você evita o tom alegórico em seu filme. Você acha que o cinema brasileiro cai demais no vício da alegorização?
Pereira -
Acho a alegoria uma síndrome do modernismo que afasta o público. A alegoria só tem de ser usada em alguns momentos e em alguns filmes. Pior ainda são essas alegorias óbvias, pois já que é para fazê-las, são para pirar.

Folha - Hans muda de identidade, como de máscaras. Tem muito a ver com o homem de hoje, não?
Pereira -
Você pegou um aspecto legal. Ele tinha que vestir a máscara de francês e português para sobreviver. Isso lembra muito a gente, pois vestimos máscaras para nos mantermos dentro de um determinado grupo.

Folha - Houve um problema com a censura de "Hans Staden", em princípio liberado apenas para maiores de 14 anos. Disseram que você ficou irritado com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Pereira -
Mais com quem autorizou a tal censura. Meu filme foi censurado por conter cenas de violência e de nudez. No caso, um banquete em que os índios comem carne humana. Ora, várias crianças já assistiram em pré-estréia e gostaram muito de "Hans Staden". Até vai ser exibido em escolas. Ou seja, era para ser livre.

Folha - O seu penúltimo longa-metragem, "O Efeito Ilha", não lembra um pouco "The Truman Show"?
Pereira -
Não só lembra como a idéia foi chupada para a produção norte-americana. Quem me avisou que tinha um filme parecido nos Estados Unidos foi o Rubens Ewald. Consultei advogados que me disseram que iria gastar muita grana. Acabei lançando no mercado de vídeo, aproveitando o rastro de "The Truman Show". Fez sucesso nas prateleiras com o nome de "The Man in the Box".

Folha - Você acha que existem festivais de cinema sérios no Brasil?
Pereira
- Você está me perguntando isso por causa do que fiz no último Festival de Brasília? Pois acho este festival o mais organizado de todos. Só faltou uns 90% de ética, neste último. Meu filme tocava nesses 500 anos de Descoberta do Brasil e só ganhou um prêmio de consolação, nada de dinheiro. Por isso peguei o tal Prêmio Especial do Júri pela "Excelência da Realização". O melhor filme ganhou R$ 50 mil e eu zero. Pois saí de lá, pus o prêmio no lixo e fui tomar um uísque.

Folha - Você não se arrependeu disso?
Pereira
- Eu me arrependi muito. Tanto que agora estou querendo dar R$ 10 para quem encontrá-lo e devolvê-lo a mim (risos).


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