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CRÍTICA
Filme propõe "churrasco didático"
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Uma aula de história do Brasil
ao pé da letra, ou seja, colada à
crônica do alemão Hans Staden
sobre suas desventuras no litoral
sul brasileiro do século 16, tão insossa quanto nos livros didáticos
mais politicamente corretos.
Ainda assim, os professorais 75
minutos de "Hans Staden" foram,
em certa medida, frustrados pelo
Departamento de Classificação
Indicativa (Declas).
O órgão federal não quer alunos
menores de 12 anos no interior
das salas de aula, ou melhor, de
exibição, em parte por causa da
nudez dos personagens indígenas.
Há cerca de 15 dias, em São Paulo, o Declas encontrou apoio inesperado para sua "missão civilizatória", quando uma espectadora
fez barulho no saguão do Espaço
Unibanco de Cinema, frequentado pela elite econômica e intelectual da cidade.
Ela bradava contra um cartaz
contendo a nudez branquela do
ator Carlos Evelyn (Staden) em
meio a uma multidão de índios,
também nus. Um funcionário do
complexo de salas teve de raspar
com gilete o motivo do escândalo,
enfeando o pôster já por si desengraçado. A bem da verdade, nem
foi preciso raspar muito.
Tais episódios tragicômicos remetem, estranhamente, à censura
imposta pelo regime militar brasileiro a outro título canibal, "Como Era Gostoso o Meu Francês"
(70), de Nelson Pereira dos Santos, este sim "verdadeiro compêndio etnográfico do Brasil quinhentista" (na definição do crítico José Carlos Monteiro), livre
transposição da mesma história.
Os paralelos cessam na escolha
da fonte, já que todo o sabor, beleza e inteligência maliciosa da "cozinha" de Nelson, apimentada naquele ponto raro que estimula e
não agride os sentidos, parecem
esquecidos.
Não inspiraram nem de longe o
diretor Luiz Alberto Pereira, que
preferiu tons de um churrasco
pantagruélico para a sua versão
da narrativa do mentiroso Staden, aquele que enganou uma tribo tupinambá por nove meses,
dizendo-se inimigo dos portugueses para escapar de ser morto
e deglutido por seu valor de adversário especial. E que depois angariou fama e fundos na Europa,
escrevendo um best seller sobre
sua "agonia".
A história oficial registra que
Staden foi condestável (algo como marechal) da fortaleza portuguesa de Bertioga, nomeado por
Tomé de Sousa para combater indígenas. Porém, essa condição
parece deliberadamente omitida
pelo filme, que, ao contrário, destaca relação especial do protagonista com um escravo seu, indígena da etnia carijó.
A estratégia até poderia canalizar simpatias para o seu herói-condutor, mas a missão é impossibilitada pela escolha do ator
Evelyn, dono de um semblante de
eterna arrogância, padrão global
de interpretação.
Até mesmo o modelo Beto Simas, promovido de índio de escola de samba para índio de cinema,
sai-se melhor. A também ex-modelo Claudia Liz é escalada para
transformar uma mítica iara em
moderna louraça-belzebu, em sequência digna de constar no recente Carnaval dos 500 Anos.
Na outra ponta desse novelo de
equívocos, o veterano Stênio Garcia encarna uma caricatura de pajé tupiniquim, com trejeitos de
pai-de-santo.
E como em terra de pelados
quem tem camisa é rei, Sérgio
Mamberti (mercador) lembra
que um ator é capaz de modular
as suas falas com entonações diversas.
A antropofagia, originalmente
homenagem ao valor do inimigo
capturado, surge no centro do filme como um adorno de contas
baratas para iludir nativos incautos. Despidas de qualquer sentido
ritual, as imagens sublinham tupinambás envoltos em sombras,
abocanhando mãos como hienas
famintas. O sensacionalismo atinge o clímax com orelhas boiando
num caldo bem temperado.
Após o aviltante churrasco cinematográfico, é preciso paciência
para outra série de enquadramentos arrumadinhos e movimentos corporais sufocados de
inibição. Talvez os classificadores
de Brasília tenham razão: salvo a
naturalidade com que a recebem
os atores-modelos, a nudez não
cai bem ao contingente de índios
aculturados figurantes dessa produção.
Avaliação:
Filme:Hans Staden
Diretor: Luiz Alberto Pereira
Produção: Brasil/Portugal, 1999
Com: Carlos Evelyn, Beto Simas, Sérgio
Mamberti
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 2, Jardim Sul 2 e circuito
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