São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 2006

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Em seu primeiro CD, Marcus Tardelli esbanja talento e candidata-se a ser estrela do instrumento

Violão de CRAQUE!

Alexandre Durão/Folha Imagem
O violonista fluminense Marcus Tardelli, 28, no Rio


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Na infância, Marcus Tardelli às vezes pedia aos pais: "Tira isso da minha cabeça". Seu ouvido extremamente musical deixava entrar uma quantidade de sons difícil de ser administrada por uma criança, mesmo que aos sete anos ela já tocasse violão.
Aos 28, Tardelli lança seu primeiro CD solo, "Unha & Carne", e começa a construir o resultado de tanta musicalidade. "É o maior violonista que o Brasil produziu", diz o compositor Guinga, um dos melhores do ramo. Pode-se dizer que Guinga é parcial: "Unha & Carne" é todo dedicado à sua obra e foi produzido por ele. Mas não se pode dizer que seja leviano. Em 2001, quando seu queixo caiu ao ouvir Tardelli pela primeira vez, o levou para uma sessão de virtuosismo que inaugurou uma amizade unha-e-carne.
Agora, Guinga arrisca uma profecia ousada em um campo que tem Dilermando Reis, Garoto e Baden Powell. "A minha maior influência é a da escola brasileira mesmo. Depois, a da música erudita. Tenho pouco influência da escola espanhola", delimita Tardelli. Para quem gosta de um violão mais suave, menos agressivo, a afirmação desse fluminense de Petrópolis é um alívio. Alguns violonistas brasileiros enveredaram por uma linha de interpretação agressiva em que a melodia acaba sucumbindo à rapidez dos dedos e à energia dos punhos.
"É muito gostoso quando você percebe que tem facilidade para tocar rápido. Mas eu tenho mais fome de música do que de violão. Nada pode superar a música, nem o ser humano. Ele não pode estar à frente do que toca", afirma.
Tardelli garante -e mostra no violão- que é em nome da melodia que tem se aprimorado na raríssima técnica de usar o polegar esquerdo para completar os acordes mais abertos. "Villa-Lobos já previa esse uso do polegar", conta o violonista Turíbio Santos, diretor do museu Villa-Lobos.
"Segovia [violonista espanhol] até disse, em 1923, que não entendia alguém que usava para tocar o dedo mínimo da mão direita e o polegar da esquerda. Depois que viu Villa, ficou maravilhado e eles se tornaram amigos. É difícil usar bem essa técnica. Mas Tardelli tem habilidade, velocidade, criatividade. Está entre os grandes."
Tardelli até fez faculdade de música, mas seu aprendizado mesmo foi em casa, criando harmonias a partir do que ouvia e sendo estimulado pelo pai, que sonhava ser músico profissional.
Entre 2000 e 2005, ele integrou o quarteto Maogani, um dos melhores grupos instrumentais do país. Saiu do grupo para cumprir sua vocação. "De tanto tocar sozinho em Petrópolis, meu caminho natural é o violão solo", diz.
"O Tardelli faz um procedimento antinatural parecer natural. E tudo com um grande bom gosto", afirma Paulo Aragão, do Maogani, também impressionado com a mão esquerda do violonista. "Já vi gente fazendo o que ele faz, usando o polegar como no cello, mas não com tanta desenvoltura."
As composições de Guinga, nada convencionais, recriadoras das tradições do choro, da valsa e do baião, surgiram como um terreno ideal para Tardelli mostrar seu talento. O CD começa com a velocíssima "Baião de Lacan", mas depois ganha contornos mais suaves, como nas valsas "Igreja da Penha (Carta de Pedra)", "Cine Baronesa" e "Constance", e no bloco "Choro-Canção", "Choro-Tango" e "Choro-Réquiem".
"Criei introduções e improvisos, mas sempre preocupado se estava "guinguiano'", conta, respeitoso, Tardelli. "Eu o vejo como filho e, ao mesmo tempo, pai da minha música", escreve no encarte Guinga. Sua aprovação se resume no ato de dar para Tardelli o violão que um luthier mineiro fizera especialmente para ele.

Unha & Carne
Artista:
Marcus Tardelli
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média


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