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CINEMA/CRÍTICA
"O Veneno da Madrugada" é baseado em García Márquez e tem Juliana Carneiro da Cunha em seu elenco
Novo Ruy Guerra se perde em sua estranheza
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
A procura por formas não-convencionais de narrativa
que marca o cinema de Ruy Guerra, principalmente seus filmes
mais recentes, ganha em "O Veneno da Madrugada" sua faceta
mais obscura. Mais uma vez, o diretor se debruça sobre um texto
do amigo Gabriel García Márquez, adaptando o romance "La
Mala Hora" (de 1963, anterior,
portanto, a "Cem Anos de Solidão"). A luminosidade que deu o
tom das versões de Guerra para
"Erêndira" (1983) e "A Fábula da
Bela Palomera" (1987) foi substituída por um tom radicalmente
pessimista e por uma luz sombria,
de tendências expressionistas.
A ação de "O Veneno da Madrugada" está situada em uma cidade anônima, empapada pela
chuva e pela lama e empestada de
ratos. Como em "Estorvo", os
personagens falam em uma língua não definida entre o espanhol
e o português -o que remete a algum espaço perdido, imaginário,
da América do Sul. Guerra trabalha o som com independência e
dubla seus atores, algumas vezes
com vozes de outros, o que realça
a sensação de estranheza. A adaptação de Guerra propõe que a
mesma história reapareça para o
espectador três vezes, cada uma
delas revelando novos aspectos
(algumas vezes contraditórios).
Essa premissa é trabalhada com
uma imagem energética -a direção de fotografia é de Walter Carvalho- em longos planos-seqüência (alguns deles magníficos)
realizados com a câmera na mão,
que acompanham personagens
parecidos com fantasmas. O tom,
no entanto, não é fantástico. São
fantasmas concretos, que habitam uma cidade também fantasma, onde tudo já está podre e
morto, apesar de pessoas ainda
estarem ali.
O personagem central está à
beira do desespero. O alcaide interpretado por Leonardo Medeiros é um homem atormentado
pela memória (o segredo do passado que carrega), pelo presente
(nos bilhetes anônimos que são
espalhados na calada da noite pela cidade, semeando a discórdia) e
ainda fisicamente por uma dor de
dente lancinante que o faz perder
a cabeça e precipita a vingança
que, no fundo, é seu propósito.
Em torno do alcaide giram outros personagens soturnos, em
torno de uma intrincada disputa
de poder, como a viúva Assis (Juliana Carneiro da Cunha) e o padre Angel (Fábio Sabag). Aos
poucos, monta-se um quebra-cabeça que nunca se fecha de todo. É
como se algumas peças não tivessem a forma necessária para completar a figura, ou só se encaixassem fora da moldura do quadro.
Todos esses elementos, descritos isoladamente, parecem no mínimo interessantes; na verdade
eles não encontram uma conjunção eficaz no resultado final do filme. Diferentemente de "Estorvo",
em que os efeitos de estranheza se
completavam e se transformavam
em uma expressão contundente,
"O Veneno da Madrugada" se
perde na confusão de sua proposta. Não é uma simples questão de
clareza, mas de uma orquestração
dos elementos que possam constituir, enfim, um filme.
O Veneno da Madrugada
Produção: Brasil, 2004
Direção: Ruy Guerra
Com: Leonardo Medeiros, Juliana Carneiro da Cunha
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca, HSBC Belas Artes e Bombril
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