São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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Livro reúne ensaios sobre o desenho

Em "Disegno, Desenho, Desígnio", Edith Derdyk compilou 30 textos inéditos assinados por artistas

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

As 30 mil folhas de papel que usou na instalação "Onda Seca", mostrada no ano passado na Pinacoteca, e os mais de 60 km de linhas de algodão que costurou no espaço ao longo da carreira não deixam dúvida: Edith Derdyk sente uma vontade imensa de desenhar.
Na multiplicação de linhas que surge de um amontoado de folhas e na escultura de traços que levanta no espaço físico, a artista vê no desenho algo além do papel, que pode ser utilitário e poético ao mesmo tempo.
É essa noção que serve de linha mestra para o livro que a artista acaba de lançar, "Disegno, Desenho, Desígnio" (ed. Senac; 314 págs.; R$ 60), reunindo 30 ensaios de artistas plásticos, arquitetos, curadores, músicos e cientistas. Todos refletem, alguns com palavras, outros com imagens, sobre o significado do desenho em suas vidas.
Com exceção do texto do artista Waltercio Caldas, são todos inéditos, feitos a pedido de Derdyk para o volume que sai agora. Foram nove anos de correspondências trocadas com seus convidados, até que uma editora decidiu bancar o projeto. "O desafio foi como congregar essas vozes tão diferentes, como compor uma polifonia que não ficasse fechada em si mesma", afirma Derdyk.
Do arroubo afetivo de Guto Lacaz, que diz em seu texto que o desenho foi seu "primeiro amor", à análise pictórica de vogais e consoantes do músico Luiz Tatit, que descreve as letras como linhas que abrem e fecham espaços sonoros, o livro percorre um mapa do desenho.
Não à toa, como se percorrendo uma linha musical, Arnaldo Antunes aparece logo depois de Tatit, escrevendo à mão garranchos espasmódicos cheios de erros de ortografia seguidos da frase digitada: "A caligrafia está para a escrita como a voz está para a fala".

Ritmo da imagem
Ao lado de um desenho seu, nas primeiras páginas do livro, Waltercio Caldas escreve um texto breve, afirmando que "quem desenha sabe o que esperar do traço: que cumpra o seu papel e se desempenhe no ritmo da imagem".
A idéia de que o desenho é um traço dotado de potência física, como se servisse de guia para estruturar o espaço físico, esboço para um objeto real ou escultura, é tema para vários artistas, como Paulo Pasta e Regina Silveira. Mas talvez o contraponto mais tocante à idéia fique por conta da conversa entre o artista Antonio Lizárraga e sua assistente, Maria José Spiteri Tavolaro Passos.
Lizárraga, argentino radicado em São Paulo, sofreu um derrame e ficou paralítico, podendo apenas falar. Privado da habilidade de fazer desenhos, passou a ditar poemas e instruções para seus assistentes, tendo de recorrer à palavra como guia para composições visuais -algumas delas podem ser vistas em mostra em cartaz em São Paulo, no Estúdio Buck.
"Eu sempre fiquei muito intrigada com a maneira como ele trabalha", diz Derdyk, que incluiu no livro desenhos e poemas do artista. "É um inventário minucioso, contém o ato extenso do desenho, ou seja, ser ele mesmo uma linguagem soberana e ser também um instrumento de conhecimento."
Assim o fotógrafo Gal Oppido diz enxergar os traços rápidos de seu pai, que pintava paisagens rurais a partir de pinceladas instantâneas, aproximando o real de sua representação: "o objeto e sua expressão materialmente próximos".


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