São Paulo, terça, 17 de março de 1998

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TV descobre obra perdida do "irmão" de Guimarães Rosa

Bandeirantes começa a gravar "Serras Azuis", novela baseada em livro, de Geraldo França de Lima, que ficou desaparecido durante mais de três anos

Rosane Beckierman/Folha Imagem
O escritor Geraldo França de Lima, autor de "Serras Azuis"


DANIEL CASTRO
enviado especial ao Rio

Quando começou a escrever "Uma Cidade na Província", em 1940, o então apenas advogado mineiro Geraldo França de Lima, 84, não imaginava que um dia o livro viria a ser publicado. Amigo íntimo de Guimarães Rosa, a quem chamava de "irmão", França de Lima temia desapontá-lo.
Até que, em 1959, Rosa descobriu os originais na escrivaninha do escritório de França de Lima, em seu apartamento no Flamengo, Rio. Dois dias depois, às 2h da manhã, o autor de "Grande Sertão: Veredas" telefonou para a mulher de França de Lima, Lygia, e teria lhe dito: "Ou muito me engano ou estou na frente de um grande romancista".
O próprio Guimarães Rosa tratou de cuidar da publicação. Em 2 de junho de 1961, a editora GRD lançava "Serras Azuis" -o título foi a única mudança sugerida por Guimarães Rosa. Na noite de autógrafos, Rosa fez seu primeiro discurso em público no Rio de Janeiro. "Ele falou de improviso, sem avisar ninguém". Rosa só voltaria a discursar em público em sua posse na Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1967. "Eu o levei até a academia e ele se queixava da pressão. Morreu 72 horas depois", lembra França de Lima, que, desde julho de 1990, ocupa a cadeira número 31 da ABL.
"Serras Azuis" foi um sucesso de crítica -que o classificou como "clássico". Desde então, França de Lima não parou mais de escrever. Nem mesmo uma isquemia, que o deixou cego, há cinco anos, o impede de escrever. Atualmente, ele conclui seu 13º livro e prepara a edição de mais dois. "Eu dito e a minha mulher escreve", conta.
Em maio, a obra de França de Lima -que, no conjunto, vendeu cerca de 300 mil cópias- ganha o veículo das massas. Hoje, a Bandeirantes grava na Grande São Paulo as primeiras cenas da novela "Serras Azuis", adaptada por Ana Maria Moretzsohn do livro que dá o título e de outras duas obras de França de Lima, "Branca Bela" e "O Nó Cego". Graças à novela, boa parte dos livros de França de Lima devem ser reeditados -"Serras Azuis", por exemplo, está esgotado.
A história de "Serras Azuis" renderia um livro à parte -o que deve ser contemplado em um dos próximos livros do escritor. França de Lima, que chega a reescrever um capítulo até dez vezes, ainda não o havia terminado em 1951. Naquele ano, em uma viagem de ônibus ao Rio, o livro sumiu. "Fiz uma promessa: Se reencontrasse o livro, ficaria um ano sem tomar uma gota de álcool", diz.
Três anos depois, funcionários do escritor receberam uma série de telefonemas de uma "tal Eva". Mas França de Lima não conseguia retornar as ligações -ninguém atendia do outro lado. Ele, então, descobriu na lista telefônica da época o endereço do telefone. "Era um ferro-velho. O meu livro estava lá, intacto, junto com as ferragens de um velho ônibus da viação Eva", lembra. Em 1959, o livro ficou perdido durante mais quatro meses, devido a um acidente de carro sofrido pelo que seria o primeiro editor.
O argumento de "Serras Azuis" é inspirado em uma tragédia, o "Conflito", que de fato aconteceu, em 1892, em Catalão (Goiás). Duas famílias tradicionais, os Paiva e os Roldões, decidem se unir pelo casamento. Mas um incidente as leva a travarem uma batalha sangrenta. Sobrevivem poucos. E dois deles, 20 anos depois, vão se apaixonar. Paralelamente, o livro narra as disputas políticas entre o coronel Eleodegário (inspirado no ex-governador mineiro e ex-ministro da Justiça Bias Fortes, tio da mulher de França de Lima) e o médico Rivaldino Paleólogo (inspirado no chefe da família Andrade).
França de Lima está eufórico com a ida de sua obra para a TV. "Gosto muito de novela. É a literatura do futuro", afirma.



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