São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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OCUPAÇÃO

Nos intervalos das tarefas do dia, soldados se voltam para sucessos musicais por meio de aparelhos de CD e MP3

Exército dos EUA leva o pop ao Iraque

Stephen Morton - 24.jan.2003/Associated Press
Soldado norte-americano brinca com videogame em base no Estado da Geórgia, durante a preparação para a Guerra do Iraque


THOM SHANKER
DO "NEW YORK TIMES", EM BAGDÁ

Os soldados norte-americanos que chegam para servir no Iraque carregam seus fuzis em uma das mãos, ferramentas na outra e muita cultura pop dos Estados Unidos em suas mochilas.
CD players pessoais, aparelhos de MP3, sistemas de DVDs portáteis, antenas parabólicas e laptops com acesso à internet permitem que os soldados mantenham em dia seu contato com a música, o cinema e a televisão dos Estados Unidos, mesmo por trás do arame farpado que protege as bases onde vivem em meio a uma sociedade estrangeira isolada por anos de ditadura, embargo e guerra.
Quando a patrulha de combate ou missão de reconstrução de cada dia se encerra, os soldados se reintegram à cultura mundial de consumo e se retiram para a privacidade de seus fones de ouvido a fim de recapturar um pouco de território pessoal na zona de guerra, livres do aspecto coletivo da vida militar.
As novas tecnologias tiveram impacto poderoso sobre as Forças Armadas, pondo fim ao seu monopólio quanto às notícias e ao entretenimento acessíveis para os soldados norte-americanos servindo em uma terra estrangeira cujas fronteiras impõem, além de tudo, uma barreira de idioma.
Os oficiais de alta patente responderam com boletins noticiosos diários por e-mail para os comandantes de unidades e os soldados. A American Forces Network continua a inserir mensagens oficiais em sua programação de TV transmitida via satélite e as mistura com as canções executadas em sua rádio no Iraque.
Mas, quando os soldados tiram seus coletes blindados, em geral optam por ouvir a música que preferem. Embora o gosto musical dos integrantes das tropas de ocupação seja tão variado quanto o de um grupo comparável de pessoas na vida civil, é preciso registrar que, na terra do Tigre e do Eufrates, o rock impera entre os soldados designados para serviço no berço da civilização.
Na Base de Treinamento Militar de Kirkush, no deserto do leste do Iraque, a menos de 25 quilômetros da fronteira com o Irã, a espera de uma hora por um helicóptero foi preenchida ouvindo canções de Marilyn Manson, Eminem e Shania Twain, até que o Black Hawk acionasse suas turbinas, e alguém no quartel, como se de propósito, e com um senso perverso de ironia, aumentasse o volume de "Stairway to Heaven", do Led Zeppelin. As canções vêm de um canal europeu de música via satélite e de um computador coletivo onde 12,8 gigabytes de música estão disponíveis para download em MP3. A regra é simples: baixe alguma música, deixe alguma música.
"Quando qualquer pessoa do grupo compra um CD novo, ela o carrega no computador, e por isso nos mantemos bem atualizados", disse o sargento Thomas R. Mena. Com o novo CD do Tool tocando alto no quartel, o sargento Mena estudava a lista da biblioteca de música disponível no computador, que ia de Abba e AC/DC a Van Halen e ZZ Top, passando por Limp Bizkit e Metallica.
Soldados nascidos na África Ocidental que servem no Exército norte-americano em busca de cidadania e de oportunidades de carreira chegaram trazendo os mais recentes CDs de música pop nigeriana, enquanto os norte-americanos de origem chinesa têm em mãos os mais recentes vídeos importados de Hong Kong.
"Temos o mundo inteiro na mesma barraca", disse o soldado Nicholas Allen, da equipe de combate da 3ª Brigada, 1ª Divisão de Infantaria.
Os soldados responsáveis por um posto de patrulha perto da fronteira do Kuait encerram seu dia ouvindo Bush -não seu comandante-em-chefe-, mas os riffs grunge da banda homônima.
Dentro da chamada zona verde de Bagdá, um setor protegido por muralhas no centro da cidade que abriga os integrantes da autoridade de ocupação norte-americana, era possível ouvir Ludacris e R. Kelly, a pouca distância da ampla alameda onde Saddam Hussein celebrava suas vitórias em meio a espadas cruzadas de cinco andares de altura.
Um sargento de 40 anos, integrantes das forças especiais norte-americanas e veterano da guerra do Afeganistão, enviado ao Iraque para treinar as novas forças domésticas de segurança do país, disse que em sua mochila CDs do Grateful Dead dividiam o espaço com o aparelho de mira laser.
A música country de Dwight Yoakam era ouvida em alto volume em uma garagem de manutenção do aeroporto de Taji, ao norte de Bagdá, enquanto um tambor de óleo repleto de munição capturada explodia em uma detonação controlada.
Um ano depois da guerra, 12 meses depois da captura de Bagdá, com cerca de 250 mil soldados americanos presentes no país, 130 mil veteranos que estão limpando suas barracas para abrir caminho aos 110 mil substitutos recém-chegados, é hora de chegar a uma conclusão, como tantas reportagens vêm tentando.
Não estamos no Vietnã, não existe um Jimi Hendrix. Na guerra norte-americana do Iraque, não existe uma trilha sonora óbvia, se excetuarmos o rugido dos helicópteros, que ditam o tempo vertiginoso das missões executadas ao longo da zona de combate.
O sargento Daniel Kartchien, da 419ª Companhia de Transporte, está no Exército desde 1973. Ele disse que, quando os soldados estão de folga, "agora é tudo individual".

Tradução Paulo Migliacci


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