São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2008

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Obra adulta de Lobato volta com sucesso

"Urupês", livro de contos que introduziu o Jeca Tatu, já está na 4ª reimpressão

Fim de briga judicial entre a família do autor e editora permite reedição de títulos que incluem de poesia a crítica de arte

Divulgação/Arquivo pessoal
O escritor Monteiro Lobato (1882-1948) às vésperas de sua partida para os EUA, em 1927

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Ninguém duvidava que as edições infantis de Monteiro Lobato voltariam a vender -e muito- com o relançamento de suas obras completas. Mas a grande procura pela sua obra adulta, restrita aos sebos há anos, é a maior surpresa no atual relançamento dos livros do criador do Sítio do Picapau Amarelo. Em outras palavras, Jeca Tatu está ameaçando o lugar de Emília.
A extensa produção ensaística, crítica e ficcional de Lobato -incluindo as histórias infantis que preencheram o imaginário de várias gerações- está voltando às livrarias após dez anos de brigas judiciais.
O imbróglio editorial ligado ao autor se arrastava desde 1998, quando os herdeiros do escritor -que morreu há 60 anos- entraram na Justiça para retirar sua obra da editora Brasiliense.
Por causa de um curioso contrato "ad infinitum" assinado três anos antes de morrer com Caio Prado Jr. (1907-1990), dono da Brasiliense, todos os livros do escritor estavam sob a guarda da editora. O contrato garantia a ela o direito de publicação da obra sem fixar prazos, na prática impedindo o controle dos herdeiros de Lobato.
A relação entre a família e a Brasiliense foi boa até 1992, quando o diretor editorial Caio Graco Prado (filho de Caio Prado Jr.) morreu. E azedou de vez em 1998, quando a família tentou impedir o relançamento de "Reinações de Narizinho", acusando a Brasiliense de quebrar cláusulas contratuais e de não dar a devida atenção editorial à obra. A contenda prejudicou as reedições dos infantis e praticamente tirou de catálogo a obra adulta do autor. A briga judicial teve capítulo final em agosto de 2007, com um acordo entre as partes, abrindo espaço para a mudança de casa.
A editora Globo assinou logo na seqüência um contrato com os herdeiros e começou já em setembro de 2007 a relançar as obras completas (um total de 56 livros, entre infantis e adultos, além de adaptações em quadrinhos). Os últimos títulos chegarão às livrarias em 2009.

"Urupês"
Iniciada a republicação, a grande surpresa foi a venda da obra adulta de Lobato. Lucia Machado, diretora de negócios infantis da Globo e responsável pelo lançamento, diz que "não sabia que o mercado estava tão carente [de títulos adultos]". "Isso nos surpreendeu."
"Urupês", por exemplo, a coletânea de contos que introduziu o Jeca Tatu há 90 anos, já está na quarta reimpressão (15 mil exemplares vendidos). Nada mal para um texto de 1918 que capricha no vernáculo e abusa do léxico (Lobato se gabava de ter lido o dicionário Caldas Aulete de "A" a "Z"), passeando por temas como a indolência do caipira ou a condenação das queimadas.
Se o papel de renovador da literatura infantil brasileira e de editor (foi um dos fundadores do mercado editorial brasileiro) são incontestes, os novos tempos pedem uma reavaliação do jornalista, crítico de arte, ensaísta e polemista -Lobato é o autor do famoso artigo "Paranóia ou Mistificação", em que atacou a pintora Anita Malfatti, e também foi pioneiro na defesa da nacionalização do petróleo, entre outras causas.
Marisa Lajolo, professora responsável pelo acervo do escritor abrigado na Unicamp, acredita que o relançamento esteja vindo em um momento de reabilitação. "As luzes sobre o modernismo paulistano jogaram Lobato no limbo. Ele virou o vilão. Nos últimos anos há uma revisão disso", diz a professora.
Além disso, para a pesquisadora, o escritor "é um excelente contista, divertido, violento em relação à crítica social, despojado em termos de linguagem".
Vladimir Sacchetta, um dos autores da biografia "Monteiro Lobato - Furacão na Botocunda" (ed. Senac-SP) e consultor da reedição das obras, junto com Marcia Camargos, cita também "Um Jeca nos Vernissages" (Edusp), de Tadeu Chiarelli, que em 1995 iniciou um processo de revisão da produção crítica de Lobato.
O relançamento da obra completa, porém, também provoca críticas por algumas escolhas editoriais, como mostram os textos na página ao lado.
Sacchetta defende o trabalho de relançamento. Ele diz que as edições voltaram a respeitar as publicações originais como se lia nas décadas de 10 e 20.
Lucia Machado diz que a urgência de recolocar os títulos no mercado determinou muitas opções. Além disso, aponta a dificuldade de atualização. "São decisões difíceis ao "traduzir" para os dias de hoje. A sensação é que estávamos invadindo uma grande obra", diz.
Ela afirma que a proposta é quadrinizar o máximo possível da produção infantil do autor, começando pelas adaptações (como "Dom Quixote das Crianças"). Vários desenhistas estão sendo chamados. Saem as famosas ilustrações de Belmonte, entram versões modernizadas.
Isso é bom? Segundo ela, foram feitos testes com crianças, que rejeitaram imagens que são ícones do mercado editorial. "A idéia é trazer para um visual que as crianças conhecem hoje. O que enxergam como do passado elas não lêem", diz.
As reedições seguem por contrato até 2018, quando a obra do autor cairá em domínio público.


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