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Réplica
Crítica ao romance de Contardo foi superficial
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Fazer a crítica literária de
um livro escrito por um
alguém que é, essencialmente, um "leitor crítico do
mundo", como Contardo Calligaris, não é fácil. Fazer a crítica
de um romance que parece, a
princípio, ser "de" amor, mas é
"do" amor e não parece ser notado, bem, aí então os critérios
lingüísticos ou neurolingüísticos do crítico devem ser colocados em questão.
Ah, hermenêutica, semântica, erros quânticos e tetas mântricas, não é mesmo? Não, puro
campo de visão fechado mesmo
ou falta de ...paixão. Ou mania
de querer enquadrar tudo, tipo:
"Isso é romance epistolar, já esse aqui tem "igreja + pai", então
vira romance do tipo "igropai'".
Haja saco!
Vamos ao ponto: a rasa e superficial resenha de sábado
passado que Adriano Schwartz
fez do livro fascinante de Contardo Calligaris, "O Conto do
Amor", me tirou do sério (se é
que isso existe, mas existe!).
Se estivéssemos no campo do
"gostei ou não gostei", poderíamos simplesmente levantar o
polegar, como fez até o início
deste mês (e acaba de se despedir da televisão americana) o
crítico Roger Ebert, do "Chicago Sun Times". Mas aqui estamos num terreno coalhado de
emoções delicadas e palavras
escolhidas e situações deliberadas. A crítica, se não for capaz
de acompanhar, cai fora!
Contardo tece um jogo tênue
de linhas tão estranhas! Elas
são doces e severas, ásperas e
emocionantes e, às vezes, tudo
ao mesmo tempo. Ou seja, as
entrelinhas e o fascinante jogo
intercalado de amor e desamor,
afeto e desafeto; um jogo DO
amor, e não somente DE amor,
e, portanto, não somente mais
uma "love story" embebida de
fluxos verborrágicos ou hemorrágicos de códigos davincianos
ou borgianos (já que Schwartz
cita Umberto Eco e "O Nome
da Rosa"). Ufa!
Não nego meu envolvimento
passional com o livro, já que
passei madrugadas acordadas
aqui em Nova York fazendo a
revisão de sua edição inglesa.
Mas o original em português é
de uma beleza única.
Todo o mistério que se esconde por trás da morte de um
pai (ou de uma possível "outra
vida" de um pai e uma vida depois da morte), toda essa relação estranha e distante com esse pai, distante e ao mesmo
tempo ...indescritível. Daí a semiologia que o crítico não soube "ver", mas que está nos detalhes dos afrescos e de quem os
teria pintado ou "assistido" a
pintar... E de quem os está arquivando nos dias atuais: o
tempo é crucial. No entanto, ignorado na crítica. Contardo lida com a questão do tempo de
uma maneira "unique" e sublime, o paralelismo dele, a sua
invisibilidade, como eu raramente senti.
Um outro mundo
E toda essa vida oculta extratemporal, que acaba revelando
um outro mundo: um mundo,
digamos, "real". Uma mulher.
Uma mulher que possibilita as
viagens para que Carlo (personagem principal) possa visitar
essa outra mulher (quem será
ela? E o que eles fazem juntos,
além de saborear o melhor café
no Caffè Rivoire de Firenze?).
São tantos os pequenos detalhes, mas que o prendem na
beira da cama -não pelas rajadas de metralhadora porque
"acharam o mapa da mina", como sugere o crítico, nem porque alguém será "enforcado em
Esperanto" ou toda uma biblioteca será queimada, como no
conto milionário de Eco.
Aqui, com Contardo, a gente
fica com o olho bem aberto,
mais aberto ainda, como se fosse (talvez) um Bataille descrito
com uma minúcia de alguém
que está vendo o seu tempo
passar com a tristeza e a certeza
de que o toque de alguém que se
ama jamais chegará de verdade,
porque essa verdade só existe
pelo curto, muito curto tempo
em que um fósforo está aceso,
porque a chama de um fósforo
queima o dedo que o segura,
e aquela chama poderá se apagar quando as duas mãos se
tocarem.
GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro.
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