São Paulo, sábado, 17 de abril de 2010

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LIVROS

Crítica/ "Poesia Completa" e "Menino do Mato"

Livros revelam regularidade de estilo de Manoel de Barros

Aos 93 anos, poeta mato-grossense publica obra completa e volume inédito

MANUEL DA COSTA PINTO
CRÍTICO DA FOLHA

A publicação da "Poesia Completa", de Manoel de Barros, vem acompanhada do lançamento de um novo livro do poeta mato-grossense: "Menino do Mato", que surge em edição à parte, mas também está incluído na compilação de sua lírica.
A decisão editorial de não privar das últimas invenções do escritor os leitores de "Poesia Completa" ressalta a regularidade temática e estilística de Manoel de Barros, que continua produtivo aos 93 anos. Também se presta à avaliação daquilo que foi uma novidade (mas perdeu o viço) nessa obra de reconhecimento tardio e daquilo que ela prometia e de fato realizou.
Em seus primeiros livros -de "Poemas Concebidos Sem Pecado" (1937) a pelo menos "Gramática Expositiva do Chão" (1966)-, temos um poeta muito próximo da dramaticidade em tom menor do modernismo, um sentimento do mundo cuja graça está no deslocamento da perplexidade existencial para uma modorrenta vida provinciana (aí incluídas cidades grandes com resíduos interioranos).
"Sou um sujeito magro/ Nasci magro./ Estou nos acontecimentos/ Como num vendaval: dobrado/ Recurvo de espanto/ E verdes...// Circulo sob arranha-céus./ Vivo debaixo de cubos:/ Na direita, na esquerda/ De lado, ao sul/ Pelo norte... Vou no meio assustado", escreve em "A Voz de Meu Pai", do livro "Poesias" (1947). Nesse período, já aparecem duas marcas de sua poética: de um lado, a forma do diálogo com personagens do imaginário rural do autor; de outro, a celebração da figura do desvalido como no "Antissalmo para um Desherói" (de "Gramática Expositiva do Chão").
O título desse poema antecipa o procedimento recorrente de colocar um prefixo negativo em palavras que assim descrevem um universo de coisas "desimportantes" -e que são importantes por serem "coisas".
A partir de "Matéria de Poesia" (1970), o poeta passa a ser mais "metalinguístico", parte de pequenos bichos aquáticos, insetos e "inutensílios" (trastes sem préstimo) para compor uma espécie de cosmologia oculta, que caberá à poesia eclodir -como em "Os Caramujos", de "Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo" (2001).
A esses seres correspondem personagens como Bernardo da Mata, espécie de "alter ego" que ele nos apresenta em "O Guardador de Águas" (livro de 1989 que remete a "O Guardador de Rebanhos", de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa).
Desenha-se assim uma poética que busca na insignificância das coisas inanimadas e nas "ignorãças" de seres insignificantes uma forma de "desver o mundo" -como aparece no novo livro, que leva o título da primeira parte, "Menino do Mato", e traz uma segunda chamada "Cadernos de Aprendiz", com poemas e aforismos.
Num deles, Manoel de Barros escreve: "A infância da palavra já vem com o primitivismo das origens"- e isso não apenas reverbera a busca de um "saber primordial" pelo menino Bernardo, mas também a indiferenciação que existe entre sua poesia madura, sua obra para público infantil ou suas "Memórias Inventadas" (série ausente de "Poesia Completa").
Manoel de Barros retoma duas tópicas da modernidade -metalinguagem e celebração do anti-herói como expressão do desconcerto do mundo-, mas dentro de uma estrutura narrativa, quase prosaica, em que as reinvenções linguísticas, por serem ínfimas, ficam mais no plano do enunciado do que na realização poética.


POESIA COMPLETA

Autor: Manoel de Barros
Editora: Leya Brasil
Quanto: R$ 69,90 (496 págs.)
Avaliação: bom

MENINO DO MATO

Autor: Manoel de Barros
Editora: Leya Brasil
Quanto: R$ 29,90 (96 págs.)
Avaliação: regular




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