São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

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TV

A estudantes, Lauro César Muniz afirma que Globo foi pressionada a mudar "O Salvador da Pátria", "considerada apologia a Lula"

Autor diz que "Brasília interferiu em novela" da Globo

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O roteirista Lauro César Muniz afirmou que teve de mudar a história de "O Salvador da Pátria" (1989), de sua autoria, porque "houve uma interferência direta de Brasília na cúpula da Globo".
A trama, exibida no horário nobre, de janeiro a agosto de 89, contava a história de um analfabeto, Sassá Mutema (interpretado por Lima Duarte), que se envolvia com a política e ganhava projeção nacional. Segundo Muniz, foi considerada "por algumas pessoas do governo" uma apologia à candidatura do petista Luis Inácio Lula da Silva à Presidência.
A declaração foi dada por Muniz anteontem, no teatro-laboratório da Escola de Comunicações e Artes da USP, durante a comemoração do aniversário de dez anos e da reinauguração do Núcleo de Pesquisa de Telenovela.
O encontrou reuniu autores, professores e alunos da USP para debater a aproximação entre a telenovela e a universidade.
Guilherme Cerqueira César, 19, estudante do segundo ano do curso de audiovisual da ECA, perguntou aos autores (além de Muniz, estavam presentes Silvio de Abreu e Maria Adelaide Amaral) se, na década de 80, "quando o Brasil vivia um período de redemocratização, as novelas -que chegavam a dar 80% de audiência- não poderiam ser menos alienadas e mais voltadas à emancipação política e social do país".
Muniz disse que sempre houve e ainda há muitas tentativas de escrever tramas mais ligadas à política. "Há novelas de esquerda mesmo, como muitas de Dias Gomes." Mas, segundo ele, mesmo depois do fim da censura oficial do governo, os autores ainda encontravam dificuldades em tratar desse assunto nas novelas.
"Em 1989, já não havia mais a censura formal, mas houve uma interferência direta de Brasília na cúpula da Globo. Era o primeiro ano de eleições diretas, Lula contra Collor, e acharam que o Sassá Mutema fazia apologia à esquerda. Assim, acabou vindo uma pressão na emissora para que a trama fosse mudada. Cheguei a ouvir, nos bastidores, "o autor desse novela vai eleger o presidente do Brasil". Tive de abandonar o aspecto político da história e focalizar apenas o policial [Sassá era suspeito de ter cometido um duplo assassinato"", respondeu Muniz ao estudante.
O autor, que é contratado da Globo e criador da Associação de Roteiristas de Televisão, falou que, além de "Brasília", recebeu críticas também do Partido dos Trabalhadores. "Lembro que a Erundina [hoje deputada federal do PSB, na época, prefeita de São Paulo pelo PT] reclamava. Achava que estávamos satirizando o Lula, porque o Sassá era ingênuo e chegou a fazer muitas concessões aos poderosos."
Sobre as declarações de Muniz, a Central Globo de Comunicações afirmou que "não poderia comentar porque, em 89, a Globo estava sob outra direção". Na época, a emissora era comandada por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Hoje, a diretora-geral é Marluce Dias da Silva. A assessoria de imprensa de Boni não foi localizada pela Folha.
O evento de anteontem comemorava a inauguração da nova sede no Núcleo de Pesquisa de Telenovela.
A antiga, com praticamente todo o acervo, foi destruída no incêndio que atingiu um prédio da ECA, em outubro do ano passado. Um novo acervo está sendo montado com doações e conta com o apoio da TV Globo.



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