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BIENAL DO LIVRO
"Querido Poeta" reúne cartas do poeta e compositor, enviadas e recebidas desde 1932 até a sua morte, em 1980
Livro mergulha no cotidiano de Vinicius
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Esqueça o poeta, compositor, cantor, crítico de
cinema, diplomata etc.
etc. O protagonista de
"Querido Poeta - Correspondência de Vinicius de Moraes" é o homem comum que,
"por acaso", deixa vazar de cartas
enviadas e recebidas aquelas outras figuras todas.
Esse é um dos atrativos da coletânea de cartas que vai às livrarias
na próxima semana, segundo seu
organizador, o jornalista e escritor Ruy Castro, 55.
"Tudo o que está ali é interessante, mesmo o que não tem interesse cultural -o papagaio no
banco, as contas a pagar, atribulações financeiras constantes", defende Castro. "As cartas mostram
que o poeta não vive sentado nas
nuvens, e daí acho que pode sair
uma nova imagem de Vinicius."
Abrangendo correspondências
desde que o poeta carioca tinha 19
anos, em 1932, até o ano de sua
morte (1980), o livro acompanha
cronologicamente o curso de seus
67 anos de vida.
Parte dos idílios e das confusões
amorosas dos anos 30 e viaja pelas
confusões matrimoniais e à constante atribulação financeira mencionada pelo organizador das décadas de 50, 60 e 70.
A título de exemplo, a primeira
referência a Tom Jobim, parceiro
de invenção da bossa nova, só
aparece em carta à irmã Leta de
Moraes, em 1957, nos seguintes
termos: "O próximo trimestre do
"Orfeu" você acabe o pagamento
do Tom. Ele sabe quanto é. Por falar nisso, ele te deu o recibo do último pagamento? Se deu, guarde.
Se não deu, peça".
Embora tendo sempre a poesia
e a música como vizinhas, as cartas trocadas por Vinicius e Tom
vêm todas coalhadas de ajustes de
contas, debates sobre direitos autorais, transações comerciais.
Mais situado no plano artístico
é o reduzido maço de cartas de
1971 entre Vinicius e Chico Buarque, em que a pauta é alterar (como quer Vinicius) ou não (como
prefere Chico) a letra de "Valsinha". Vinicius pretende, por
exemplo, mudar o título para
"Valsa Hippie".
Chico ganha a discussão, mas a
carta de resolução do impasse não
aparece na coletânea -ou não
houve, como suspeita Ruy Castro.
"De certa época em diante, o telefone ficou mais próximo, é natural que as cartas diminuíssem a
partir daí", diz.
Do fascismo ao comunismo
Para Ruy Castro, esconde-se nas
cartas dos anos 40 o dado mais
surpreendente no livro.
"Vinicius começa, como muitos
escritores da época, tendo forte
simpatia pelo fascismo. No final
dos anos 40, você fica besta ao
perceber a guinada dele rumo ao
comunismo."
Posições simpáticas ao fascismo
nem aparecem explícitas nas cartas anteriores, mas ,em 1947, em
carta à sua mãe, Vinicius passa a
manifestar desconforto com o
fascismo. Diplomata nos Estados
Unidos, escreve, de Hollywood:
"A mesma onda de fascismo que
passa aí está passando aqui, que é,
aliás, o berço da dita".
Ironicamente, é de lá que ele
passa a defender a aproximação
entre a poesia e a política -por
viés comunista-, como em zangada carta de 1949 ao diplomata
Lauro Escorel.
É tempo de outra transição,
também. Do início da bossa em
diante, diminuirão as cartas trocadas com escritores como Manuel Bandeira (o mais constante
de todos eles), Carlos Drummond
de Andrade, Mário de Andrade,
João Cabral de Melo Neto etc.
Sumirão, em especial, provocações juvenis como as lançadas no
calor de seus 22 anos contra a facção regionalista do modernismo
(leia trecho à direita).
E ganham corpo, junto com as
encrencas financeiras, as presenças de Tom, Chico, Carlos Lyra,
João Donato, as meninas do
Quarteto em Cy, Luiz Eça...
Entre umas e outras, mantêm-se os tapas e beijos trocados em literatura com mãe, irmãs, filhos,
mulheres e ex-mulheres. E, de
passagem, bilhetes rápidos -e
curiosos- de figuras como Charles Chaplin e Orson Welles.
Ruy Castro avisa que não se trata de literatura. "Não há qualidade frase por frase, não havia tanto
esse capricho dele. As pessoas que
escreviam para ele é que tentavam
caprichar", afirma, rindo do nervosismo alheio diante do poeta.
"Em suas cartas, Vinicius era relax, mas não displicente ou esculhambado. Passa a impressão de
um sujeito com liberdade total,
incapaz de fazer uma crítica moralista a alguém", completa.
QUERIDO POETA - CORRESPONDÊNCIA DE VINICIUS DE MORAES. Organização: Ruy Castro. Editora: Companhia das Letras. Quanto: preço a definir (358 págs.).
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