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São Paulo, sábado, 17 de maio de 2003

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"MATRIX RELOADED"

Pretensa revolução, sequência destaca aparências e exclui risco

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Lançado em 1999, o primeiro "Matrix" de fato representou algum risco para Hollywood. A estréia foi cercada por um nevoeiro de dúvidas quando à aceitação do filme: era como se Hollywood tivesse lido "Simulacros e Simulações", de Jean Baudrillard, e em seguida visto uma maratona de cinema de Hong Kong.
"Matrix" formulava um improvável universo-síntese de realidades radicalmente diferentes, em que sequências de lutas espetaculares se alternavam a reflexões sobre a existência, o real e o virtual.
O filme "colou" e, a partir dele, foi criado mais um "franchise", ou seja, a obrigação das continuações. Mas "Matrix Reloaded", exibido com grande estardalhaço em Cannes na última quinta-feira, provocando uma decepção à altura de seu marketing, é, em grande parte, mero pastiche de outros "franchises" recentes ou não, como "Star Wars" e "Senhor dos Anéis". Exclui-se, enfim, toda possibilidade de risco.
Na verdade, o primeiro "Matrix" não provocou uma revolução de linguagem, como se exagera dizer. Os irmãos Wachowski apenas revitalizaram uma fórmula do cinema de entretenimento, sem ousar mexer em sua forma essencial -que continuou excessivamente editada, "videogamezada". Eles trocaram a casca e se mantiveram na segurança das aparências, produzindo um "simulacro de revolução".
Nesse segundo capítulo, a casca se rompe e enfim fica evidente que o universo "Matrix" é como "Jesus de Nazaré", de Zeffirelli, muito mal recontado por John Woo. A trama, basicamente, é uma nova versão da vinda do messias, misturada a outros elementos mitológicos e espirituais e muita pancadaria. Como nos filmes de Zeffirelli, conhecidos como "filmes de figurino", "Matrix" só privilegia as aparências (roupas de couro, óculos escuros, etc). Trata-se de um "filme de figurino" pós-moderno, com um lado extremamente cafona.
Os irmãos Wachowski se protegem no álibi da reflexão para corroborar a banalidade. Afinal, o cerne do filme está no fato de que seus personagens vivem num mundo virtual, onde o corpo não é mais corpo e portanto a mortalidade não existe (vários personagens ressuscitam, uma das características mais irritantes dos filmes fantásticos). Nenhuma questão que qualquer "videogame" já não tenha apresentado antes, de forma bem menos pretensiosa.
Ainda resta, evidentemente, uma certa competência do espetáculo do cinema americano, que impõe obstáculos e se obriga a superá-los. Se o primeiro tinha lutas espetaculares, este precisa ter mais e melhores lutas. Mas essa obrigação termina enfraquecendo o personagem principal, Neo (Keanu Reeves). É divertido vê-lo combater centenas de cópias de seu inimigo Agent Smith (Hugo Weaving), mas é decepcionante vê-lo voar com poderes de super-homem. Mesmo as perseguições de carro, que já representaram grandes momentos de diversão em filmes como "Operação França", estão ficando excessivamente digitalizadas e artificiais -caso da perseguição de "Matrix". Cada vez mais, graças aos efeitos digitais, tudo é possível (e nada é possível). Cada vez menos se acredita no que se vê.


Matrix Reloaded
Idem
 
Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski
Produção: EUA, 2003
Quando: a partir do dia 22



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