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"MATRIX RELOADED"
Pretensa revolução, sequência destaca aparências e exclui risco
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Lançado em 1999, o primeiro
"Matrix" de fato representou
algum risco para Hollywood. A
estréia foi cercada por um nevoeiro de dúvidas quando à aceitação
do filme: era como se Hollywood
tivesse lido "Simulacros e Simulações", de Jean Baudrillard, e em
seguida visto uma maratona de
cinema de Hong Kong.
"Matrix" formulava um improvável universo-síntese de realidades radicalmente diferentes, em
que sequências de lutas espetaculares se alternavam a reflexões sobre a existência, o real e o virtual.
O filme "colou" e, a partir dele,
foi criado mais um "franchise",
ou seja, a obrigação das continuações. Mas "Matrix Reloaded", exibido com grande estardalhaço em
Cannes na última quinta-feira,
provocando uma decepção à altura de seu marketing, é, em grande
parte, mero pastiche de outros
"franchises" recentes ou não, como "Star Wars" e "Senhor dos
Anéis". Exclui-se, enfim, toda
possibilidade de risco.
Na verdade, o primeiro "Matrix" não provocou uma revolução de linguagem, como se exagera dizer. Os irmãos Wachowski
apenas revitalizaram uma fórmula do cinema de entretenimento,
sem ousar mexer em sua forma
essencial -que continuou excessivamente editada, "videogamezada". Eles trocaram a casca e se
mantiveram na segurança das
aparências, produzindo um "simulacro de revolução".
Nesse segundo capítulo, a casca
se rompe e enfim fica evidente
que o universo "Matrix" é como
"Jesus de Nazaré", de Zeffirelli,
muito mal recontado por John
Woo. A trama, basicamente, é
uma nova versão da vinda do
messias, misturada a outros elementos mitológicos e espirituais e
muita pancadaria. Como nos filmes de Zeffirelli, conhecidos como "filmes de figurino", "Matrix"
só privilegia as aparências (roupas de couro, óculos escuros, etc).
Trata-se de um "filme de figurino" pós-moderno, com um lado
extremamente cafona.
Os irmãos Wachowski se protegem no álibi da reflexão para corroborar a banalidade. Afinal, o
cerne do filme está no fato de que
seus personagens vivem num
mundo virtual, onde o corpo não
é mais corpo e portanto a mortalidade não existe (vários personagens ressuscitam, uma das características mais irritantes dos filmes fantásticos). Nenhuma questão que qualquer "videogame" já
não tenha apresentado antes, de
forma bem menos pretensiosa.
Ainda resta, evidentemente,
uma certa competência do espetáculo do cinema americano, que
impõe obstáculos e se obriga a superá-los. Se o primeiro tinha lutas
espetaculares, este precisa ter
mais e melhores lutas. Mas essa
obrigação termina enfraquecendo o personagem principal, Neo
(Keanu Reeves). É divertido vê-lo
combater centenas de cópias de
seu inimigo Agent Smith (Hugo
Weaving), mas é decepcionante
vê-lo voar com poderes de super-homem. Mesmo as perseguições
de carro, que já representaram
grandes momentos de diversão
em filmes como "Operação França", estão ficando excessivamente
digitalizadas e artificiais -caso
da perseguição de "Matrix". Cada
vez mais, graças aos efeitos digitais, tudo é possível (e nada é possível). Cada vez menos se acredita
no que se vê.
Matrix Reloaded
Idem
Direção: Andy Wachowski e Larry
Wachowski
Produção: EUA, 2003
Quando: a partir do dia 22
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