São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA

Escritor chileno ganhador do Prêmio Cervantes fala hoje sobre o autor de "Dom Casmurro" na Biblioteca Nacional, no Rio

Machado não era elitista, diz Jorge Edwards

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Jorge Edwards não tem muita sorte com o Brasil. Pouco conhecido e quase nada editado por aqui, o escritor chileno que tem um Prêmio Cervantes e mais de 30 livros publicados no mundo teria um dos seus raros diálogos com o público brasileiro na anteontem, em São Paulo. Teria, pois sua palestra, assim como um sem-número de eventos culturais, foi cancelada devido à onda de violência que tomou a cidade.
Outra chance de ouvir o escritor, entretanto, acontecerá hoje, às 18h, na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Edwards, 75, falará sobre literatura brasileira, mais especificamente sobre Machado de Assis, a respeito de quem escreveu um livro ("Machado de Assis", ed. Omega, 2002).
"Nele, encontramos um humor, uma distância irônica e, ao mesmo tempo, uma reflexão que se dá dentro da própria narrativa que são únicos na literatura latino-americana", diz.
"Não concordo quando chamam Machado de elitista e dizem que teria virado as costas para suas raízes e se dedicado apenas a retratar os hábitos dos ricos do Rio de Janeiro. Se lermos com atenção, veremos que a festa popular, as cores do Brasil estão sempre presentes em suas histórias. Os negros e mulatos participam e interagem com o ambiente e a trama da narrativa."
Expulso de Cuba
Além de escritor, Edwards exerceu por muito tempo a carreira diplomática. Foi por meio dela, curiosamente, que acabou dando de cara com o assunto que lhe renderia sua obra mais importante, "Persona Non Grata" (ed. Barral, 1973), livro baseado em sua experiência de três meses como embaixador em Cuba.
Nomeado pelo então presidente chileno Salvador Allende para restabelecer as relações com a ilha, em 1971, Edwards -então um intelectual de esquerda- lá instalou-se. Logo, entretanto, posicionou-se contra os abusos com relação a direitos humanos e o cerceamento da liberdade.
Foi expulso, voltou ao Chile e ainda levou um puxão de orelhas de Allende, além de ganhar inimizades entre pensadores de esquerda.
"Foi uma desilusão para mim. Por outro lado, foi bom, porque percebi logo cedo no que a Revolução Cubana tinha se transformado. E não me surpreendo que, ainda hoje, as coisas não estejam diferentes por lá."
Edwards é descrente quanto à redemocratização da ilha num futuro próximo. "Quando caiu o Muro de Berlim, em 1989, as pessoas diziam: "Agora é Cuba". E eu respondia: "Não acredito". O estado policial ali é muito forte e não existem forças políticas para fazer frente a Fidel."
"Persona Non Grata", até hoje, não foi publicado na ilha.

O novo Chile
Depois do episódio cubano e da queda de Allende, em 1973, Edwards exilou-se na Espanha até 1978. Voltou ao Chile no meio da ditadura e sempre se posicionou contra o regime do general Augusto Pinochet. Hoje, entretanto, não acha mais que seja tão importante julgar os crimes cometidos pelo ditador. "Pinochet já foi castigado. Ficou preso em Londres, enfrenta processo por contas no exterior, ele e sua família vivem com medo. Isso é uma punição."
Para ele, o mais importante era o Chile completar a transição democrática. "E isso, finalmente, é uma realidade. Pinochet pode ou não ser julgado, isso é o que menos interessa. Interessa que o país vire essa página da história e que também deixe de se iludir com a idéia de que hoje somos todos novos ricos. O que precisamos é voltar a ser um país livre e criativo."


Texto Anterior: Cinema: Futebol inspira mostra na Cinemateca
Próximo Texto: O Chile hoje
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.