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MÚSICA
Mônica Salmaso e o grupo da Acari apresentaram composições de Cascata e de Pedro Amorim e Teresa Cristina
Mas como é alegre a tristeza do choro
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Era o compositor Franz Schubert quem dizia que nunca tinha ouvido "música alegre". Mas
Schubert nunca ouviu um choro,
nem muito menos "o novo no
choro do Rio", ao contrário dos
alegres privilegiados na platéia do
Sesc Ipiranga, sexta-feira, para escutar Mônica Salmaso e o pessoal
da Acari: Luciana Rabello, Maurício Carrilho, Pedro Amorim, Jorginho Silva e Iura Ranevsky, lado
a lado com os chorões paulistanos
Proveta e Toninho Carrasqueira.
Como é triste essa alegria. Os
cromatismos do choro, todo o
Chopin que tem por dentro, fazem até a exuberância gingada do
"Choro Cubano" de Maurício
Carrilho carregar sua dose de afeto invertido. Mas como é alegre a
tristeza do choro, também, e a
nostalgia boa de uma peça como a
"Serenata pro Pilger" dá uma coisa por dentro que deixa a gente no
limite de dizer bobagem.
Mas não é bobagem: essa tristeza e essa alegria estão no fundo de
uma das versões, pelo menos, do
que cada um de nós reconhece como identidade. Que há mais versões, a própria Mônica Salmaso
(em parceria com o produtor Homero Ferreira) vem ensinando
melhor que ninguém nesta série
"Ponto In/Comum", na qual recebe convidados das mais diversas
águas. É um momento glorioso
da música brasileira, num nível de
criação e realização que já deveria
ser motivo de orgulho nacional.
Duplo orgulho, aliás. Por esses
músicos serem quem são; e pelos
projetos que têm a ciência de inventar. ("Gaia ciência", diria um
grande chorão da Alemanha.) Para quem está de ouvidos abertos,
hoje, a impressão geral é que nunca houve tamanho esforço de resgate e renovação da nossa música
popular. Vejam o que o Acari vem
fazendo, por exemplo. Maurício
Carrilho e companheiros acabam
de lançar nada menos do que 15
CDs de uma coleção "Princípios
do Choro" (selo Biscoito Fino),
reunindo 215 músicas de 50 compositores nascidos até 1870.
Tocaram três delas no fim do
show, e o efeito foi lindo: a música
dos antigos soa agora como mãe e
filha do repertório novo. "Meus
cantos... são só ressonância/ Das
mais belas e eternas canções/ Que
eu ouvi na infância", diz a letra de
Paulo César Pinheiro para "Velhos Chorões" (Luciana Rabello),
que Mônica cantou antes, sem saber que naquele momento, observada com carinho por Schubert e
todos os deuses, ela era a melhor
cantora do mundo.
E "Minha Palhoça"? O clássico
de Cascata encontrou seu destino,
afinal, nesse trio de voz, clarinete e
pandeiro. Pandeiro de Jorginho,
que incrivelmente, impossivelmente, tocou a harmonia. Ou foi o
que se ouviu, com o ouvido de
dentro, estimulado pelas melodias bachianas do Proveta. Mônica marota, encenando canto e comentário ao mesmo tempo. E os
passarinhos assobiados de Toninho Carrasqueira para completar
a obra-prima de bom humor e
bem-estar.
A platéia pediu "Lavoura" (Pedro Amorim e Teresa Cristina) no
bis. E a dor de amor, às "quatro da
manhã", foi um feliz martírio.
Pergunta para o professor Nietzsche: "Como é possível escrever
música tão estilizada, tão consciente de todas as fontes, tão à
vontade com as formas -e ainda
assim dizer a verdade? Resposta:
"Como assim, "ainda assim'? Existe outro jeito? Já vi que você não
entende nada de choro".
A arte é longa. Não pense que
esses baixos do violão de Maurício Carrilho estão aí, ao alcance de
qualquer um. Nem os acentos súbitos, palheta para cima, de Luciana Rabello, que nesses momentos
se permite uma faísca no rosto de
impassível seriedade. Dignidades
de cavaquinhista, parentes das
melancolias de verão do bandolim de Amorim. Agora tente tocar
violoncelo no choro, como Ranevsky.
A vida é tristemente breve. Mas
alegremente nem tão breve assim.
Assistir ao que Mônica Salmaso
vem inventando para si, na generosidade bonita e lúcida de suas
parcerias, já nos justifica a todos
como seus contemporâneos. E é
bom lembrar que isso é só o início, para uma artista que mal passou dos 30 anos. No meio do caminho, é um conforto e tanto saber que a gente tem essa cantora
conosco, para inventar e reinventar a música pelo resto da vida.
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